domingo, 30 de novembro de 2014

Beechcraft Bonanza (1959)

Beechcraft Bonanza (1959)


Por Tonny Araujo

- Ritchie! Ritchie! Ritchie!

Acho que era mais ou menos assim que gritava Bob (personagem interpretado pelo ator Esai Morales no filme La Bamba de 1987) do alto de uma ponte similar àquela que o Monet pintou. De forma espantosa o personagem, o irmão de Ritchie Valens, possuía o mesmo sobrenome do ator. Coincidência ou apenas falta de criatividade mexicana? No es importante.

"Espera um minuto. Ritchie Valens? Quem é Ritchie Valens?"

 Está brincando, realmente não sabe? Conta outra, xará. Tudo bem, eu entendo sua dúvida e desculpe pelo tratamento um tanto quanto arcaico. É que esse era o linguajar das dublagens de filmes dos anos 80, em La Bamba não era diferente, uma produção que conta a história de uma das lendas do rock n’ roll, Ritchie Valens. Ou, como constava em sua identidade, Ricardo Esteban Valenzuela Reyes. “Ué, mexicano tocando rock n’ roll?” Palavras-chave: Los Angeles, colonização mexicana, bairros americanos cosmopolitas... Everybody wants the american way of life, baby.

Ainda posso recordar com um pouco de esforço aquela madrugada - talvez de sábado porque não havia aula no outro dia - em que acordei para assistir desenhos animados que a Globo transmitia de madrugada. Era um hábito que meu pai, geralmente, nutria quando com um balançar sutil em um de meus ombros me fazia saltar da cama e grudar os olhos na TV. Para a minha surpresa, havia sido condicionado a despertar de madrugada, mas nesse dia não foi na hora exata do desenho. Na verdade, ainda estava com um pouco de sono, e meus olhos pareciam estar em chamas.

Ora bolas, sei lá porque meu velho tinha essa mania de me fazer ver desenhos em plena madrugada. Vai ver, sabia a importância de tudo aquilo para uma criança de sete anos. Vai ver, ele adorava me ver lutar contra mim mesmo para ficar acordado, enquanto ele, acostumado a perder noites de sono, realizava tal façanha sem demonstrar qualquer sinal de fraqueza. Para um garoto naquela idade, um gigante peludo, com voz grave (um pouco calvo, eu sei) e que aguentava ficar de pé à beira das 4 horas da matina, eram sinais de quase imortalidade.

A luz daquela Semp Toshiba preta, 29 polegadas parecia uma provação de minha força, (40 dias no deserto, os 12 trabalhos de Hércules, Odisseu contra o Caolho, o ragnarock) então, enfrentei a besta-fera que se impunha à minha frente de maneira muito audaciosa. Estava começando um tal de Intercine. Um programa de filmes que, sinceramente, não faço a mínima ideia se ainda existe. De repente, em poucos segundos, minha alma fez uma viagem no tempo. Voltei 10 anos, data de produção do filme, e depois mais 28 anos, quando Ritchie explodiu nas rádios com os singles Donna, Come on let’s go, We belong together, Oh! My head, entre outros e o mais famoso deles, a versão eletrizante de uma música folclórica mexicana chamada La bamba.

Era o ano de 1959, e Ritchie vivia a melhor época de sua vida. Jovem, cheio de amigos, e um broto que se chamava Dona com quem circulava em seu carro. Não me esqueço da cena dos dois assistindo cinema ao ar livre dentro de um Cadillac. O carro dos grandes. “E aí, meu chapa, já viu meu possante?”

Bob, seu irmão mais velho, era um encrenqueiro, e apesar da inveja que tinha do “tampinha” de 16 anos, fez de tudo para o irmão chegar aonde chegou, até ser seu baterista quando ninguém queria tocar com ele.  Não é estranho que hoje eu sinta uma admiração maior pelo personagem.

Antes de chegar ao topo das paradas de sucesso juntamente de nomes como Buddy Holly e Big Bopper, o chicano havia passado por maus bocados, trabalhado duro para comprar uma guitarra, e mesmo assim, sonhava em ser um astro do rock. Algum tipo de Elvis. Sem a jaqueta branca, claro.

Enquanto assistia ao filme, aquelas canções que tocavam como trilha sonora, a maioria regravações feitas pela banda Los Lobos, libertavam algumas sensações estranhas em mim. Uma mistura de tristeza e alegria. Ânsia e calmaria. Desejo de tomar banho na chuva que caía, mas medo do tremendo resfriado e da possível injeção que viriam em seguida. Havia um cheiro diferente naquela história, contudo ainda não sabia o porquê. É claro que estava na cara que não era igual a um musical igual Dançando na Chuva, ou gozado como os filmes do Jerry Lewis. Havia algo de diferente nele. Como se as tristes baladas de fundo me induzissem a pressentir que algo ruim ia acontecer.

Uma das coisas legais do filme, é que mostra certa apatia do jovem Ritchie no início da carreira por ser chamado de “mexicano”.

- Não sou mexicano, chapa. Sou americano.

Não sei se ele mudou de opinião quando visitou a cidade de Tijuana. Mas não se pode negar que fazer aquela versão para La Bamba foi uma grande sacada. É, sem sombra de dúvidas, uma Twist and Shout mui caliente. Diz a letra no bom espanhol:

Para bailar la Bamba
Para bailar la Bamba
Se necesita una poca de gracia
Una poca de gracia y otra cosita
Y arriba y arriba, Y arriba y arriba
Por ti seré, por ti seré, por ti seré
Yo no soy marinero. Yo no soy marinero.
Soy capitán. Soy capitán. Soy capitán

Não é possível que você não conheça. Na época só entendia a última estrofe da canção. Era o bastante para despertar minha mais profunda admiração. Nada de ser mandado, nada de estar por baixo, nada de ser um palerma. Aquele era o cara. Quem eu votaria em presidente. Se eu tivesse 18 anos e fosse americano em outra dimensão espaço/temporal. Essa seria a parte mais difícil, porque tenho certeza que, se pudesse Ritchie se candidataria. Infelizmente, não houve muito tempo para cogitar tal empreitada.

Foi uma longa turnê tocando seus maiores sucessos nos Estados Unidos. No filme, Ritchie tinha um medo estranho de voar, tinha pesadelos com um avião se espatifando. Não sei se realmente isso foi verídico na vida do cantor. Fato é que, aquela informação que se repetia fomentava uma sensação de perda antecipada no telespectador. Era isso! Os pesadelos sucessivos. Isso me causava uma tristeza precoce. Mas estava gostando muito do filme para querer pensar em seu desfecho. Normal, nunca pensamos a respeito do fim das coisas que gostamos para não estragar a felicidade. Porém, tudo tem um início, um meio e um fim.

Na parte inferior da tela surgia a mensagem que carregava a mesma sensação da frase “reunião de pais e mestres”. Puxa vida, já era a parte final do filme! Que bela droga. Fazer o que?

O ator que interpretava Ritchie se chamava Lou Diamond Phillips, e por muitos anos associei a pessoa do cantor ao rosto dele, até a internet cair do céu com suas doses exacerbadas de esclarecimento. Gracias a dios! Lembro bem que, Ritchie saía de uma apresentação, e corria para outra. Estava se tornando cada vez mais famoso e requisitado. Os lugares em que tocava se tornavam cada vez mais distantes e ir de carro se tornava cada vez mais um verdadeiro saco. Imagine no final da década de 1950. Era hora de perder o medo de voar. Era hora de ir mais longe. Mas antes, Ritchie tinha que dar uma palavrinha com seu irmão. Os dois haviam brigado. Coisas do impulsivo Bob. Para a surpresa de Ritchie, Bob pediu perdão pelos seus atos, uma conversa sem frescura entre dois hermanos de verdade.

- Ainda somos irmãos ou não somos?
- Bob, ainda está aí?
- Sim, cabron, ainda estou aqui. E ainda sou seu irmão.
- Tá certo, irmão, te vejo em Chicago.
- Até mais, chapa.

Aquela seria a última vez que Bob e Ritchie consertariam as coisas, e engoliriam o orgulho que parece ser maior entre os próprios familiares quando o assunto é perdão. Foi uma cena emocionante, mas estava longe de ser tão emocionante quanto o final que estava em curso.

Após uma apresentação juntamente com os astros do rock daquela geração, os quais Ritchie admirava, e os quais foram sua influência e sua motivação: Buddy e Big Bopper. O cantor e guitarrista tinha que tomar um avião com eles e outros se quisesse divulgar seu nome e sua música para lugares mais longínquos. Deveria enfrentar seu medo de voar. A grana, porém, só dava para bancar um jatinho, de nome Beechcraft Bonanza, com apenas quatro lugares, incluindo o piloto Roger Peterson. No filme, era preciso tirar na sorte para ver quem ocuparia os lugares na primeira viagem, pois havia uma quarta pessoa querendo ir, talvez outro cantor, chamado Tommy. Os felizardos foram, exatamente, Buddy Holly, Big Bopper e Ritchie Valens.

- Engraçado, é a primeira vez que ganho no cara ou coroa em toda a minha vida. Disse Ritchie, sorridente.

Ao adentrar as dependências do jatinho, Buddy notou que o semblante de Ritchie estava empalidecido, preocupado. Para confortar o amigo, Buddy disse uma frase que jamais saiu da minha mente:
- Relaxa irmãozinho, vai dar tudo certo. Além disso, o céu pertence às estrelas, certo?

Ritchie sorriu, foi acalmado pelas palavras do amigo. Nada daquele aspecto pusilânime para um futuro astro do rock n’ roll.

Manhã de terça-feira era fevereiro de 1959. Os jornais documentavam que três astros do rock texanos haviam morrido em um acidente de avião, devido às péssimas condições do tempo. Segundo os jornais, a dura tempestade naquele inverno fez com que o avião que levava as três pessoas caísse e se destroçasse em uma plantação.

No filme, Bob está debaixo de um carro tentando consertar uma peça quando ouve a notícia no rádio, e apenas dá atenção quando o locutor revela o nome dos três top rock n’ roll singers. Um deles era seu irmãozinho.

Não tardou para que a notícia se espalhasse. Raul Seixas diria muito tempo depois que aquele foi “O dia em que o rock n’ roll bateu as botas”. Os jornais americanos diziam a mesma coisa, em um tom mais triste, devido a proximidade temporal.

Lembro que assistia ao filme atento, esperando um final tão feliz quanto o de Querida, encolhi as crianças. Estava enganado. Redondamente. Minha tristeza foi súbita. Não era possível. Devia ser sacanagem do diretor. Para garotos de sete anos, todo mundo morria de velhice e não daquela forma, e aos vinte anos. Infelizmente, era tudo verdade.

A cena do funeral se tornava cada vez mais emocionante ao passo que a trilha sonora, Good-night, my love, ia aumentando devagar. Bob se isolara para pensar, desconsolado, em prantos. Estamos de volta àquela ponte, lembra? O sonho parecia ter terminado com o eco daquele triste grito.

Tudo nessa vida tem um início, um meio e um fim. Esse é o final desta história. A história da vida real, que começa e termina, às vezes, sem dizer adeus. Se há alguma espécie de moral da história? Se eu aprendi algum valor depois de ver esse filme quando criança? Se manter vivas tais lembranças me traz algum benefício? Você gosta muito de fazer perguntas, não é, meu chapa?

Vou te dar um conselho, xará. Em vez de ficar com essa babaquice melodramática, aumente seu som, e experimente ouvir e dançar La Bamba. E não, não interessa se você é marinheiro ou capitão. Esse será sempre o som da cascavel. 


quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Colégio Almirante Tamandaré: 23 anos depois

Alguém pode medir um sonho de um adolescente? Podem mensurar os passos púberes de quem durante 03 anos percorreu o mesmo caminho em direção a um espaço de sociabilidade, de construção de conhecimento e de perspectivas de futuro? Talvez não, mas com certeza pode-se aferir a frustração ao reencontrar esse mesmo espaço 23 anos depois quase decadente.

A escola não é apenas um dos lugares do saber, ainda que um saber formal, institucionalizado, como também de relações sentimentais, afetivas, de afirmação identitária individual e coletiva, afinal, não existe escola desarticulada com a sociedade, pelo menos não deveria.

A escola é um espaço de mediação entre a transmissão de conhecimento e a elaboração de outros, de construção de significados e de resignificação de símbolos culturais, de construção e desconstrução de heranças tradicionais, de leituras do mundo, de problematização de valores e verdades introjetados. 

Por tudo isso e muito mais, ainda que não ocupe mais o lugar sacralizado dantes, ainda é um espaço importante porque medeia as conjunções entre um saber instrumental e as características dos indivíduos que por ela passam, quer sejam professores, pedagogos, técnicos, auxiliares, serventes, alunos e comunidades. 

Por ser tal lugar espera-se que a escola ocupe não apenas o simbólico, mas o prático e o efetivo nas vivencias das pessoas. Mas não é assim.

Eu fiz ensino médio, à época se chamava de segundo grau, na Escola Pública Almirante Tamandaré, no bairro da Cohab. Trata-se de uma escola grande, importante para esse bairro e para a cidade. De lá saíram grandes jogadores de futsal, de volley, havia importantes feiras de ciências descobrindo cientistas em suas tenras idades, grandes professores. Havia uma dinâmica social importante com uma incipiente e jovem biblioteca, densidade de leitura de projetos, como teatro, palestras,  etc.

Foi lá que me inteirei da atividade politica conhecendo a antiga UMES (União Municipal de Estudantes Secundaristas), fundamental para a minha tomada de consciência politica de esquerda, até hoje. Foi lá que comecei a jogar volley e que decidi fazer história, dentre outras razões assistindo as aulas do Professor Alvaro. 

Certa vez ele perguntou quem havia escrito a peça Édipo Rei? Eu de chofre respondi: Sófocles. Ganhei um conjunto de livros de literatura e de historia. Começava meu interesse pela literatura. Foi lá que li Cristianismo e Marxismo, de Frei Betto e que cometi um ato grave: roubei, exatamente da incipiente biblioteca, Os tambores de São Luis, de Josué Montello. A consciência pesou e 4 dias depois devolvi o livro.

Os reencontros desta vida me colocaram nos rumos da antiga escola que tanto amei. Fui convidado pela Pró-Reitoria de Graduação da UEMA, minha Universidade, a coordenar o vestibular, PAES, numa escola. Qual não foi minha grata surpresa quando olhei a tabela com o meu nome e o da escola qual trabalharia num domingo ensolarado de novembro? Lá estava: Colégio Almirante Tamandaré, na Cohab. Me sorri por dentro. Voltei a minha puberdade e os sonhos de uma juventude em mim já perdida.

No belo domingo refiz o mesmo percurso de 23 anos atrás, passei pelas mesmas ruas como se caminhasse com o vento, agora com lenço, documento, num sol de novembro e como professor.

Ao chegar encontrei uma escola abandonada, aos pedaços, piso arrancado, paredes descascadas, banheiros imundos sem portas, instalações elétricas por fazer, sujeira, entulho, nada que lembrasse a alvissareira de duas décadas atras. O pátio com um pé direito altíssimo tinha uma cobertura de telha de barro agora é coberto por um zinco horrível. Exatamente 23 anos depois ela está muito, muito pior de quando eu estudei.

Havia uma placa de reforma bem na frente. Conversei com um professor e ele me disse que a construtora parou a reforma por falta de pagamento há mais de 6 meses e que depois disso nada foi feito.

Não sei quem é o culpado, ou os culpados, não sei o que aconteceu, só sei que o tempo foi cruel com esse espaço que deveria ganhar vigor e robustez, vitalidade e força, mas não, o tempo corroeu as marcas deixadas pelos que ali passaram, e hoje não há nada ou muito pouco do que se orgulhar, a não ser rememorar que um dia ali muitos jovens desenharam futuros bem melhores do que esse espaço hoje se encontra.             

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

voltando para ti

Eu sempre quis me confundir com o céu,
era um desejo pueril de estar e ver o mundo daqui de cima.

Nunca me dei conta de que por vezes cá estive,
voando como um pássaro de asas de ferro
numa velocidade fremente que o pensamento,
mesmo estando tão alto, assim nas nuvens, não se deu conta
do quanto o céu é mais bonito.

Dá pra ver  a imensidão do infinito, as estrelas aos seus milhões - reluzentes -
como uma tela pintada por Giotto. E olha que ele nunca esteve assim tão perto delas!!! Talvez sim, porque para senti-las não é preciso sair do chão, basta levantar a cabeça numa noite luarada e fazê-las descer com um pincel rabiscando o céu na terra.

Talvez Giotto tenha visto o que estou vendo, as estrelas assim tão de perto, sua amplitude infinita que de tão longe toca o mar, como se o céu estivesse no chão.



Entrevista com Arton, de Sirius. Parte II

  Entrevista realizada no dia 14 de fevereiro de 2024, às 20:00, com duração de 1': 32'', gravada em um aparelho Motorola one zo...