terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Sobre a onda de violência em São Luis e o vazio do estado

Todos estão chocados e estarrecidos com a onda de violência que tomou conta das ruas de São Luís. Em parte, pelo grau da violência; ônibus queimados, criança assassinada, policiais mortos, assaltos, aumento do índice de mortes por armas de fogo. Os dados comprovam a escalada da violência: aumento de 300% nos últimos 10 anos. No entanto, a história da aparentemente pacata cidade de São Luís é marcada pelos traços da violência. Então, por que essa onda recente tem chocado seus moradores, o Brasil e até mesmo o mundo? A resposta é complexa, mas alguns elementos podem ser apontados.

Antes de qualquer coisa, os dados do PNUD, com base no censo de 2010, revelam que São Luís teve um incremento no seu IDHM de 36,65% nas últimas duas décadas, abaixo da média de crescimento nacional (47,46%) e abaixo da média de crescimento estadual (78,99%). O hiato de desenvolvimento humano, ou seja, a distância entre o IDHM do município e o limite máximo do índice, que é 1, foi reduzido em 47,03% entre 1991 e 2010.

Ainda assim, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de São Luís é 0,768, em 2010. O município está situado na faixa de Desenvolvimento Humano Alto (IDHM entre 0,700 e 0,799). Entre 2000 e 2010, a dimensão que mais cresceu em termos absolutos foi Educação (com crescimento de 0,170), seguida por Renda e por Longevidade. 

Observando-se outros componentes do PNUD, percebe-se uma significativa melhoria em todos os índices sociais do município, logo, o crescimento da violência não corresponde ao composto da deteriorização da qualidade de vida, da condição de saúde, da educação, habitação, esgotamento sanitário, índices que alavancaram o crescimento do IDH em São Luís. Então, se os índices sociais melhoraram, por que a violência não retraiu?

Em parte por que tais índices estão diretamente relacionados ao crescimento econômico brasileiro nos últimos 10 anos e a estabilização econômica, não necessariamente à aplicação e implementação de politicas públicas. Aliás, uma questão pontual: se há a necessidade de politicas públicas para as áreas sociais é porque o estado já não cumpriu sua função primordial.

Além disso, o crescimento econômico, ainda que apresentando melhorias nas condições de vida dos mais pobres, trouxe consigo o componente da exclusão social, ou seja, a redução entre os mais pobres e os mais ricos poderia ter sido não gradativamente, mas acentuadamente marcada.

No entanto, há outros elementos de fundo que estão passando despercebidos no debate acerca da onda de violência na cidade de São Luís. O foco centra-se nas ações das facções criminosas que perpetraram cenas de barbárie, cognominadas de “PCM” (Primeiro Comando do Maranhão) e “Bonde dos 40”, como se tais grupos fossem os únicos responsáveis. Ao centrar-se atenção nas facções desvia-se a análise para outros componentes que contribuem para o aumento da violência, não só na capital, como no estado como um todo.

O Maranhão é o estado mais pobre do Brasil. Assassinatos de camponeses em litigio por disputa de terras acontecem todos os dias. A questão fundiária no Maranhão já não é mais um caso de policia, mas de intervenção federal e internacional. O problema da pistolagem nunca efetivamente foi debelado, ainda há assassinatos por encomendas no interior do Estado. Índios, por sua feita também são queimados, esquartejados, linchados corriqueiramente. O estado do Maranhão tem se mostrado incapaz de estabelecer as bases da legalização, regularização e institucionalização do problema fundiário, levando milhares de maranhenses a migrarem para outros estados há mais de 30 anos. Existe um processo de esvaziamento demográfico do centro maranhense por pura falta de politica de assentamento ou mesmo estabelecimento da regulação entre o agro-negócio e os camponeses.

Prevalece a lógica do latifúndio com base na atividade pecuarista, mesmo sem debelar completamente o problema da febre aftosa. Empresas se instalam no estado do Maranhão sem uma clara definição de suas contrapartidas e uma definição do estabelecimento dos limites para suas atividades, tais como o respeito às praticas trabalhistas e culturais dos camponeses maranhenses, ou seja, a implementação de atividades mega-capitalistas implica na expulsão dos moradores de suas regiões, não de suas incorporações.

Muitos desses moradores migram para outras cidades país afora ou mesmo para São Luís, ocupando zonas da periferia quase que completamente desassistidas pelo poder público. Uma vez instalados nesses locais, passam a exercer atividades de baixa remuneração, ligadas à economia informal, quando não engrossam o caldo da prática de vendas de drogas ou outras atividades ilícitas.

Como se não bastasse, a oligarquia Sarney, mandatária do estado há quarenta e oito anos, mostrou-se inócua, ineficiente, incapaz de estabelecer um projeto de desenvolvimento do estado desde a eleição de José Sarney para o governo em 1966. Quando de sua eleição para governador em 1966 o Maranhão era o segundo estado mais pobre do Brasil, hoje, continua ocupando ora tal posição, ora o primeiro lugar.

É bem verdade que a oligarquia Sarney não é a única responsável pela desgraça do Maranhão. Aliás, o Maranhão é um estado predominantemente oligárquico desde suas raízes. Quando da instalação dos primeiros grupos políticos na então província, logo após o rompimento político com Portugal em 1822 e a implementação do estado nacional, os grupos econômicos ligados à atividade agrícola passaram a estabelecer suas relações de mando, dominando as estruturas burocráticas do estado e estabelecendo suas práticas de controle sobre a população.

O Maranhão está calcado numa cultura oligárquica. Por cultura oligárquica estou cognominado enquanto práticas clientelísticas de interconexões entre todos os setores institucionais responsáveis pela res publica, ou seja, coisa publica, bem como a privada, definidoras de uma rede de sociabilidade, qual se estende pela regulação de qualquer prática politica, desde as atividades jurídicas, legislativas, executivas, comerciais e empresarias. A cultura oligárquica é uma linha de continuidade, um ethos existente no Maranhão desde o século XIX.

Tal província no século XIX gozou de um relativo crescimento oriundo das exportações de algodão e arroz projetando-a dentro do cenário das transações comercias no Brasil e no mundo, inclusive abastecendo parte do comércio europeu com algodão quando os Estados Unidos estavam imersos na sua guerra civil (Guerra de Secessão). Ao contrário do centro-sul do Brasil que iniciou um processo de substituição das importações e uma modificação na condição de trabalho mudando a condição do trabalho escravo para a mão-de-obra assalariada, o Maranhão assistiu o fracasso de sua industrialização em fins do século XIX e o lento processo de fechamento de suas fábricas ao longo do século XX.

Grande produtor de arroz na primeira metade do século XX, ainda solfejou com a incrementacão da atividade extensiva do babaçu, também não logrando êxito na tentativa de retirar o estado de sua condição de pobreza.

No campo politico, depois da interventoria de Paulo Ramos, viu nascer a ascensão da oligarquia vitorinista, capitaneada pela figura do pernambucano Vitorino Freire, que durou até exatamente a vitória de José Sarney em 1966.

A oligarquia Sarney promoveu dentre tantas mazelas no estado, incontáveis aqui nesse espaço, uma prática perniciosa que dura até os dias de hoje: uma incapacidade de se pensar o estado do Maranhão para além dos domínios da própria oligarquia Sarney. A oposição, incompetente na sua capacidade de ação e análise sobre o que é este estado, tem desde então promovido discursos panegíricos, panfletários, atribuindo todas as mazelas do Maranhão ao grupo Sarney. Isso é apenas mais um símbolo da cultura oligárquica.

Quando as noticias sobre a onda de violência na cidade de São Luís começaram a ocupar os noticiários, obrigando as pessoas a ficar em casa, prejudicando o comércio, levando paúra à população, o sinal vermelho acendeu. Em parte porque a oligarquia Sarney foi tomada de assalto sem saber o que fazer, ou seja, quando os donos do Maranhão se sentiram acuados, a população costumamente “protegida” se sentiu órfã e refém dos bandidos.

Mas não só isso. É a primeira vez que a classe média efetivamente se sentiu acuada e temerosa, mesmo sabendo que na periferia da cidade os índices de violência são alarmantes. Portanto, a grande novidade dessa onda de ataques não são as cenas das cabeças cortadas no complexo penitenciário de Pedrinhas, não é novidade e já aconteceu no passado, e sim, a real constatação do vazio de estado que o Maranhão está imerso.

Violência por violência o Maranhão assiste todos os dias com os casos de assassinatos de camponeses, índios, negros, pobres na periferia da capital e das grandes cidades do continente (São Luís é uma ilha) e nem por isso a classe média queda-se ruborizada e com vergonha, e sim, porque dessa vez as facções criminosas colocam em xeque a própria função do estado. Não se trata de dizer que as cenas não são chocantes, mas os ricos sempre torceram os narizes para os pobres e nunca se importaram efetivamente para os problemas do estado.

São Luís que é literalmente e simbolicamente uma ilha, jamais se importou com o que acontece para além das dimensões do estreito dos mosquitos (separa a ilha do continente), sempre foi autoreferenciada, autocentrada, sempre ignorou os problemas do estado, mas agora o vazio do estado chegou nos limites da cidade que sempre foi beneficiária dos recursos aplicados pelos sucessivos governos estaduais. A distancia econômica entre São Luís e o restante do estado é vergonhosa. O Estado do Maranhão é uma economia de enclave.

O elemento novo nessa questão da onda de violência é que a imprensa nacional resolveu olhar para o Maranhão, claro que também visando as eleições presidências de 2014. A campanha contra Roseana Sarney nos editoriais e manchetes necessariamente não se trata de um jornalismo com vistas ao esclarecimento das reais condições do estado do Maranhão, mas sua campanha para o senado e sua possível eleição para a presidência da casa, afinal, está afiliada ao PMDB, maior bancada do congresso nacional.

Ainda assim, essa onda de violência revelou o desgaste, o fim de um sistema politico que não consegue mais se sustentar, se renovar ou até mesmo se perpetuar. O candidato da oligarquia Sarney não consegue chegar a dois dígitos de intenções de votos e há rumores que possivelmente nem saia candidato, talvez se recorra ao Ministro Edson Lobão e/ou a João Alberto.  

Claro também que há outros componentes na escalada da violência, tais como o aumento vertiginoso do consumo de crack e a disputa por territórios por vendas de drogas, além da repressão que cidades como Rio de Janeiro e São Paulo impetraram no combate a criminalidade fazendo com que muitos desses traficantes migrassem para o Nordeste.

Mas o maior problema é que esse debate sobre a violência estará partidarizado em 2014. Perderemos uma grande chance de questionar o real papel do estado, das instituições e a substituição do modelo representativo democrático partidário pela das assembleias populares. Esse modelo democrático está falido, bem como de suas instituições. Não se acredita mais na politica, tampouco no regime de votação em eleições majoritárias, por vezes um balcão de negócios.

O governo do Maranhão pode lançar operações para debelar essa onda de violência, mas terá efeito tão somente de conter ações tais como tem se assistido todos os dias, a violência vai continuar existindo.                             

                                
           
     
       

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