Ainda
há espaço para um tipo de reflexão filosófica nos dias atuais? Mais do que
nunca, mesmo com tanta assoberbação de informação, justaposição de sentidos,
linguagens, imagens, esgarçamento coletivo, perda de uma ideia de
sentido social.
Há
autores que defendem que a própria noção de humanidade e toda derivação oriunda
disso é uma construção discursiva, tal como a vida, a humanidade, a cultura, a
igualdade e seus correlatos. Mas a questão é: se é uma invenção, por
que se inventou dessa forma e não de outra? Há
respostas plausíveis do tipo: porque um grupo majoritário, dominante,
construiu sentidos sociais de dominação simbólica e pelo ato da imposição e
repetição transformaram-se em lógica de dominação social. É pura verdade.
Os
códigos sociais de dominação são sempre constructos dos tipos dominantes de uma
sociedade, mas isso nunca encerrou a busca, eis por que tais códigos nunca se perpetuaram. Cabe
então uma outra contra-argumentação: os
códigos de conduta moral mudam porque os grupos se alternam no poder, logo,
seus valores sobrepujam ao do grupo vencido. Mas por que passados 8.000 anos de civilização humana,
excetuando-se os grupos dos hominídeos, tomando como premissa apenas uma
noção de organização social pautada no ordenamento urbano, atrelado pelo estado
e por uma sociedade complexa, não há uma convicção sobre o que queremos e mesmo
com tanta informação nos sentimos desinformados sobre tudo?
Nietzsche criticou
Sócrates e Platão acusando-os de serem os responsáveis pela morte da
filosofia; para ele, a verdadeira filosofia era
a pré-socrática. Sócrates está sendo retomado. Parece-nos que a
ultramodernidade não suporta a noção de hiperindividualidade. Os renascentistas
cognominaram a idade média de “trevas”, hoje sabe-se que a modernidade nasceu
no medievo e muitos avanços técnicos e científicos estavam brotando e latentes
nesse período.
Anunciamos
o alvorecer da tecnologia como suprassumo da inteligência humana; hoje, nos tornamos visceralmente dependentes da
tecnologia e nem por isso somos autônomos. A tecnologia, que era para emancipar, como frisava Platão sobre
as ceifadeiras do campo (o homem será livre quando as ceifadeiras fizerem nosso
trabalho), tornou-se uma nova forma de prisão. O positivismo havia apregoado
que a etapa última da humanidade era o estado científico, positivo;
o século XX mergulhou numa profunda crise paradigmática vendo emergir a
pós-modernidade, pletora negação do cientificismo como arauto da
felicidade.
Se
tudo está automatizado, se efetivamente as utopias morreram, se os valores
morais são démodés, se a política é um balcão de negócios (para Hannah Arendt fora da
política só existe a barbárie), se tudo é voraz, frenético, há mercadologização
de tudo, inclusive dos afetos e do pensamento, então, qual é o lugar de um tipo
de reflexão filosófica, por exemplo, para uma sociedade ultramoderna que não
quer se pensar enquanto tal? Exatamente a ausência de reflexão é o primeiro
sintoma do mal-estar civilizacional e da esquizofrenia coletiva no pior
sentido, aquele que julga que não pensar é melhor do que pensar.
Isto
não é uma defesa da civilização, muito pelo contrário, as civilizações que nos
antecederem servem como painéis do que não queremos, mas até para sabermos o
que queremos, sem ainda sabermos, a reflexão é necessária. Caso contrário,
prevalecerá a lógica do capital voraz que torna tudo objeto do consumo,
portanto, qualquer padrão de sociabilidade é mera esfera da relação
mercadológica, isso sim, a mais pura idiossincrasia humana, a mais perversa
forma de alienação, exatamente porque exclui qualquer possibilidade de
reflexão.
É
a reflexão que nos situa, inclusive para criticar a própria lógica de reflexão,
ou seja, utilizamos os aparatos conceituais do pensamento para criticar o
próprio pensamento; vide o caso exemplar
de Nietzsche.
Claro
também que a noção de reflexão precisa ser ampliada. Não cabe mais apenas um
aparato cartesiano, dentro de uma lógica apenas racionalizante, pautada
numa metódica forma de pensar; vide o
instrumental ocidental que excluiu, pelo pensamento, qualquer lógica
de raciocínio que não fosse a dela, obtusidade do pensamento.
Esse
tipo de reflexão de fato não cabe mais. O pensamento não pode ser
instrumento simbólico, capital cultural, de distinção social pela notoriedade
(como bem frisou Bourdieu). Não pode servir para explorar e oprimir, só serve
para se compartilhar,
emancipar.
O
que assistimos hoje é a um esgotamento de dois modelos antitéticos de se
encarar a reflexão. O primeiro, a exaustão de uma reflexão racionalizante
demais, autocentrada nos paradigmas de um modelo ocidental de pensamento que
abastardou outras formas de se conhecer e se relacionar, que segregou outras
formas de inteligência, que serviu em última instância para notarizar ainda mais a própria
reflexão, ou seja, virou uma metalinguagem, um discurso autorreferenciado que garantiu lugar de
sobrevivência dentro dos meios intelectualizados. O outro, é exatamente seu
oposto, a noção de que refletir não leva a nada, portanto, a negação da própria
reflexão.
A
exaustão da ideia de que refletir não leva a nada é um desdobramento
do pensamento estéril, muitas
das vezes longe da vida, verborrágico, hermenêutico demais, prolixo,
cuja sustentação se assenta muita das vezes na própria linguagem, e a linguagem
é um instrumento para se pensar a vida.
Há
a necessidade urgente de se repensar o que ensinamos em sala de aula, por que, para que e para quem,
o que escrevemos, e, sobretudo, redimensionarmos
a reflexão num âmbito que abarque outras formas de saber, incluindo-se o sentimento,
a percepção sensitiva, a dimensão social, instância substancial de nossa existência, não há
vida pairando no ar, existe sim uma realidade material fomentadora inclusive do
próprio pensamento; vide Karl Marx.
O
que está em xeque não é a reflexão, mas como se pensa, como se colocam as
questões, afinal, a racionalidade é uma dimensão humana, demasiadamente humana.
Mas
a questão não é o excesso de reflexão, ninguém pode controlar o pensamento, as
ideias, as pulsões do próprio pensar, e sim, o esgotamento de uma concepção
utópica da existência construída pelo pensar, a desistência de que pela
reflexão é possível uma sociedade mais igualitária, menos injusta, mais equânime,
equilibrada e menos esquizofrênica. Esquizofrenia é uma dimensão humana, porém,
quando atinge patamares sociais elevados torna-se instrumento de tirania, de
opressão, de ultraviolência, porque a única dimensão possível nesse estágio é
exatamente o descontrole, patamar perigoso da própria condição humana; vide o autoritarismo nazista.
É
preciso pela reflexão desconfiar de tempos sombrios, quando aparecem
discursos panegíricos que simplificam a vida, tornando tudo banal. Se
tudo é banal, então não existe absurdo, tudo é legítimo e aceitável, e nem tudo
é legítimo e aceitável. Estamos vivendo tempos sombrios, o desaparecimento das
utopias humanas. Se não há utopia, se não há solidariedade, se não há reflexão,
o que liga a condição humana?
Mais
do que nunca é preciso desconfiar de toda proposição em defesa da antirreflexão Mais do que nunca a filosofia está viva. Nunca
desconfiemos da capacidade humana de se reinventar. Estejamos a postos, mas sem
perder a docilidade, beleza e simplicidade da vida.
Simplesmente, irretocável teu artigo, aliás, como todos os outros. Mais uma vez parabéns, parabéns, parabéns.
ResponderExcluirAdorei esse teu artigo! Fechado com "chave de ouro". A REFLEXÃO É UM DOS CAMINHOS PARA A FELICIDADE! Adorei! Parabéns!
ResponderExcluirobrigado querido (a). isso para mim é um grande estímulo. abraços do henrique
ResponderExcluir