sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Da dificil arte da espera

Inventaram uma categoria chamada de... Tempo. Não que ela não exista, apesar de ser uma invenção sociocultural, afinal, de que tempo, ou tempos, fala-se tanto? O tempo do relógio, do trabalho, do labor, dos compromissos, não são os mesmos do amor, da dor, das lembranças. Aqueles são frutos das reminiscências de uma época em que o próprio tempo se esqueceu o que era não se preocupar consigo mesmo. Ele começou a crescer e se tornar mais importante que a própria ideia de viver, como se viver fosse sinônimo de ganhar tempo e não a aprender a lidar com ele.

Os anos se passam e a sensação de coisas não vividas vão se acumulando nos ombros como um feixe de toras de madeiras que um lenhador carrega ao voltar para casa. Os possíveis fracassos financeiros, do mundo do trabalho, amorosos, pesam na conta e a favor do tempo. É como estar sempre em dívida com o dono da venda; a gente nunca encerra a conta.

Chegam os natais, aquele clima de fim de ano, a lembrança das marcações na folhinha da parede nos pontua que mais um ano se vai e é preciso virar a página. Os cabelos brancos cintilam dentre a relva escura, a densidade muscular perde seu vigor, as marcas no rosto são como pontuações de um enredo de um filme em que cada ruga é como uma cena que não volta mais, mesmo que se rebobine a fita a sensação já não é a mesma.

Talvez o maior problema está nesta sociedade ultracontemporânea que impõe a ditadura do novo, como se o tempo da depuração de um vinho, de um queijo parmesão, de um azeite balsâmico, fosse menos importante que a embalagem e sua logomarca. 

... Mas, que nada!!! A grande vantagem de se aprender com o tempo é passar a entendê-lo, sentir que ele não é inimigo, que correr é importante no tempo de correr, que acumular só serve para depois ser dividido, que saber só ganha seu verdadeiro significado quando gera outros saberes, e que, o tempo, esse enigma no qual estamos imersos, é um relógio interno, subjetivo, individual, que cada um acerta os ponteiros de um jeito, olha a chegada de uma nova estação pela fresta da janela, observa a paisagem pelo vidro do carro, estabelece seus projetos e sonhos, prioriza aquilo que com o passar do enigma passa a considerar mais importante. 

Para que serve o tempo? Para percebermos se soubemos desenigmatizá-lo.    



quarta-feira, 27 de novembro de 2013

a long time ago

Ela saiu apressada da taberna. Olhar desconfiado com quem furtivamente foge ou vai ao encontro de um crime. Entre uma corrida e outra olhava para trás para ver se ninguém a seguia. Avistou de longe o local do encontro. Ainda que quisesse passar despercebida, seus passos pesados cadenciados pela plataforma de um Luís XIV denunciava que alguém apressadamente subia pela escada, segurando os babados do longo vestido branco. 

Ele candentemente subia a rua ao encontro. Calça preta, barba bem feita, espádua avantajada, chapéu de abas largas cobrindo o rosto esguio, longilíneo. Sem chamar muita atenção subiu os mesmos degraus que ela, mas fazendo o barulho típico dos passos de um homem alto, com botas pretas, solado de madeira, fazendo toc, toc, toc.

Foi até o quarto 1166. Deu três batidas na porta. Não tardou e ela se entreabriu. De súbito puxou-o para dentro do quarto para que ninguém no corredor o visse, beijou-o ardentemente e selvagemente começou a despi-lo, primeiro o chapéu, depois o grande casaco ainda com gotículas de uma noite fria, muita fria, quase beirando a temperatura abaixo do zero, depois as botas pretas pesadas. Levou-o para cama, jogou-o por cima das fronhas ainda intactas das não descobertas das cobertas que faz sobre os corpos. Começou a cavalgar louca e freneticamente. Seu olhar era a própria expressão da volúpia, do desejo, da paixão.

Sônia parou de cavalgar em Alfredo. No ápice, ela ficou inerte, paralisada, atônita. 

– O que foi, perguntou Alfredo?
– Acabo de ver, de imaginar como seria uma noite de sexo perfeita conosco. Eu, vestida de branco, saindo de uma taberna numa noite fria, desconfiada, entro num quarto do hotel à tua espera. Logo depois, tu entras com tua calça preta, tuas botas pesadas e te jogo na cama te amando loucamente. 
– E nessa visão eu também te amo, pergunta Alfredo? 
– Secreta e silenciosamente sim. Tua boca estava o tempo todo fechada, mas teus olhos diziam tudo.            




terça-feira, 19 de novembro de 2013

Consciência Negra IX (minha África agora chora)

Descrição: http://img299.imageshack.us/img299/2728/worldpressphoto2005ln7.jpgPor Jose Antonio Basto



I
Ó minha negra África!
Quantas desgraças em teu chão...
Sangue e gritos de solidão
Arrasados de tristezas,
Cangas... ferros no pescoço
Uma cruz do cadáver o osso,
Na pele corre a natureza.

Descrição: http://faceaovento.files.wordpress.com/2009/11/caravana-de-escravos-a-caminho-da-costa.jpgII
Leões dos castigos abriram suas selvas
Em busca de tua gente que ainda é escrava
Um povo de cultura e de alma brava
Tentando resgatar sua memória,
Senhora mãe de Ganga desordeiro,
Mãe de todos os terreiros...
Torrão e berço da história.

III
Somos todos teus filhos
Desses tempos ancestrais
Descrição: http://t1.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcRtHydnm_JCm3bVfpHOYNiXHa86bBKg7DyhyxYCbnT4cDTLC2NB-gDispara das tribos aos cais
Acorrentados então...
Rumo a uma terra distante
Sobre o mar desce o turbante!
Partindo o coração.

IV
África! Ouvimos os teus tambores
Em ecos de nostalgias...
Da chibata à noite fria,
Bacalhau e cativeiro...
Descrição: http://t0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcTWj7EvXTnRkonqn1ItKF0mYpz4uRheS0KFZQgIwcYpDOwFyPQ4Lá está todas as crenças
E também uma festança
Berimbau toque ligeiro!


 V
Crime hediondo em fim...
Loucuras da humanidade
África da eternidade
Trezentos anos de dor!
Os cabelos não são nada
Descrição: http://t3.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcSV5y6vxZibEWjr8q3xIaNgqxcKJ5xzRsxINq03rjEKev5FG4CEFQSombra vulgar disfarçada
Desses tempos de horror!

VI
Somos netos de Angola
E bisnetos de Ruanda
De Guiné veio uma banda
Animar o carnaval...
Do Congo fica o dendê
Da Serra o Catinguelê
Ó continente imortal!

Descrição: http://t0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcSFlPOYHkXfc7vpqlaASx8fE3rkL--gCGmUBSXGEtpJRjs1S-cvVII
Grande África sofrida,
Que trabalhou para o mundo
Escravizas-te imundo!
Ninguém mais ver como és...
Retornamos a cinco mil anos
Manchando de sangue o pano
Pano que cai aos teus pés.

VIII
Viva a fumaça da pólvora!
Da luta pelo o direito
Brasil e outros suspeitos
Com fogo em brasa e sem regras...
Relembramos hoje a vida...
Desta gente esquecida!
No “Dia da Consciência Negra.”

Urbano Santos-MA
20 de Novembro de 2013
*Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra

*Uma homenagem aos 318 anos de assassinato de Zumbi dos Palmares, ato esse que se tornou na maior força de lutas pela a igualdade dos negros no Brasil. Zumbi que se tornara símbolo oficial do Movimento Negro em nosso país é, um herói do povo. O 20 de novembro para a memória do negro que ainda hoje clama por direitos sociais, esta data é mais importante do que o 13 de maio, pois a D. Isabel não sofreu... tampouco lutou pelo fim da escravidão, apenas assinou a falsa Lei Aurea, sendo que ainda existe escravo em nossa pátria. Hoje recordamos não apenas a coragem de Zumbi, mas as agruras de nossa Mãe África que vem derramando o seu pranto de dor: de miséria, desnutrição e guerras civis. Lembre-se leitores que África não é só negatividade da mídia burguesa, mas ela foi e continua sendo o “Berço da Humanidade” – foi lá que aconteceu grandes feitos para o desenvolvimento do mundo como por exemplo: o primeiro código de leis do mundo, as teorias da evolução, programas de irrigações hidráulicas, estudos nas áreas de Astrologia, Matemática e Medicina; lá estava maravilhas do mundo como a Biblioteca de Alexandria e os muros do Zimbábue, a história da Bíblia também se completa por ali como a coroação de Hailê Selassiê I – Imperador da Etiópia o 222º patriarca da Dinastia Salomônica. Então a África é tudo isso, nós brasileiros somos seus filhos... portanto celebrando no gingado da capoeira, na degustação do vatapá, no toque do berimbau, do caxixi, ganzá e atabaque; somos negros no samba, no reggae, na congada, no maracatu, no frevo e no carnaval; somos negros no sangue, no cabelo, no nariz largo e nos lábios extensos. Somos todos negros na história de dor e também de conquistas nos breves capítulos da Lei Federal 10.639/2003. Somos AFRO-BRASILEIROS... descendentes de guerreiros audazes que nunca se entregaram nas longas batalhas até hoje em busca da mais linda e entoada palavra: “LIBERDADE.” 

Um axé e um abraço do modesto autor.

J.A.Basto





domingo, 17 de novembro de 2013

As pesquisas e os eus

A pesquisa é um traço da condição humana. Por ela em parte nos tornamos humanos. Quando começamos a desconfiar de que não éramos meramente humanoides, que tínhamos pensamento ascético, começamos a questionar e a utilizar as mãos como ferramentas, a registrar nosso dia a dia desenhando nas cavernas, tudo a nossa volta passou a ser objeto de pesquisa, de busca e de descoberta. 

Depois apareceu a pesquisa sistematizada, a epistemologia do conhecimento, os estudos sobre a linguagem, o conceito de ciência. À medida que descobríamos coisas novas nossas mentes se ampliavam no desiderato de perscrutar o indelével, o não-dito, o não revelado.

As pesquisas se ramificaram em mil subdivisões, classificações, possibilidades interpretativas do mundo. Todas válidas no exercício de ampliação sobre o enigma da existência. Também foi objeto de disputa, de relação de poder, afinal, como bem afirmou Francis Bacon: “Saber é poder”.

Se tornou algo tão poderoso que foi instrumento de validação de postulados, de hierarquização de princípios e de concepção de cultura. Aliás, a conjugação entre saber científico-verdade-poder foi e é até os dias atuais um elemento da conotação empiricista, pragmática, neopositivista da cultura. Não ser um operador de certos saberes é colocar-se no patamar das restrições burocráticas e pragmáticas de instâncias e instituições.

Não há como negar os avanços que a pesquisa, as pesquisas, em seus mais diversos ramos trouxeram a nós. A cada nova descoberta a alimentação do desejo por mais novas descobertas. Ela possui pelo menos dois vórtices: um social, outro subjetivo.

O caráter social da pesquisa consiste na publicização dos seus resultados, na aplicação prática de suas descobertas, no acúmulo de informações e conhecimentos colocados a serviço da comunidade, quer seja acadêmica ou não. O conhecimento avançou porque novas teorias, novos postulados, novos questionamentos ocupam as mentes de pesquisadores espalhados mundo afora.

Há também o caráter subjetivo da pesquisa. Há um conceito utilizado pela escritora argentina Josefina Ludmer, o de narratário. Narratária é a condição da existência da escrita em si mesma, a vontade da palavra de ser e de conotar para além de suas interpretações.

A questão é que o narratário pré-existe à condição do escritor e da recepção. Ele, que também pode ser chamado de vontade, insight, busca aquelas pessoas conectados com o universo em busca de respostas. Ao encontrar essas pessoas, o narratário sopra informações, intuições e começa um processo de elaboração de um tipo de questionamento, uma pesquisa.

Acontece que as pesquisas estão intrinsecamente relacionadas com seus pesquisadores. Toda pesquisa é em última instância uma resposta pessoal sobre si mesmo que os pesquisadores querem solucionar. Toda problemática, por mais abrangente que seja numa pesquisa, contém um elemento subjetivo da condição ontológica de cada um.

Os temas e problemáticas não nos aparecem aleatoriamente. Por vezes, desistimos de uma temática porque inconscientemente a resposta já foi alcançada; neste instante, aparecem novas indagações. Também acontece de desenvolvermos certas pesquisas por influências e/ou forças das circunstâncias: um convite de um professor, uma oportunidade de bolsa, um financiamento. Mas quando percebemos que tais pesquisas nos dizem muito pouco, ficamos com a sensação de que algo nos falta, não nos envolve por completo.

Nas Universidades pouco se fala das relações entre pesquisa e subjetividade. O caráter social ocupa o imaginário do universo acadêmico; em parte isso é fruto do iluminismo empirista que abnega a intuição, a sensibilidade e privilegia a pragmática dos resultados. Nem todo resultado tem que necessariamente ter uma aplicação imediata. Por vezes, passam anos e aquela indagação enfim encontra seu significado.

As pesquisas são de várias formas e sentidos. Uma pergunta que não quer calar em nossas mentes, uma curiosidade é uma indagação a ser perscrutada.

Estamos aqui para descobrirmos quem somos, às vezes, quase sempre, o passado ajuda a esclarecer. Feita uma descoberta, partimos para outra. O milagre é a pesquisa ainda não elucidada, depois de revelada, vira ciência.




Entrevista com Arton, de Sirius. Parte II

  Entrevista realizada no dia 14 de fevereiro de 2024, às 20:00, com duração de 1': 32'', gravada em um aparelho Motorola one zo...