domingo, 27 de outubro de 2013

De varanda a varanda. De volta ao começo


Uma puxada numa cadeira de um restaurante. Pessoas dispostas em seus lugares. Sentei-me à cabeceira da esquerda, Márcia ao meu lado, Protásio na cabeceira à direita, Nauk ao seu, e ao lado dela, Eudes. Pedimos cervejas, quando uma velha canção começou a tocar ao fundo. Uma boa e velha lembrança me sobressaltou. Pedi ao garçom que registrasse aquele momento. Ao olhar a fotografia pelo ecrã do meu celular, dei-me conta de que aquela cena, a disposição de como estávamos sentados à mesa, eu, Protásio e Eudes, era uma cena repetida da vida, uma vontade de ser novamente, a reunião de afetos de um passado justapondo-se naquele momento, acrescida de duas novas amizades, Nauk e Márcia, a extensão de elos que como ciclos se repetem sem se quebrarem, apenas aumentando o diâmetro.
  
15 anos depois, cabelos mais escassos, sobressalência na barriga, rugas a mais, o peso e a responsabilidade nas costas, estávamos reunidos numa disposição do que acontecera quando em 1998, no restaurante Varanda, Eu, Protásio, Eudes e Marcelo, numa fotografia hoje amarelada tirada por um garçom a pedido meu, sentamos para falar de sonhos e projetos de vida, das incertezas e auguras, mas, sobretudo, de nossas paixões pelo que fazíamos ali.

Eram os tempos de nossas pós-graduações no Programa de História na cidade de Assis, interior de São Paulo. Tempos que a vida suspensa no ar arrumava os encontros fortuitos de retirantes vindos de todas as partes do Brasil para ali naquela cidade sorver o que de melhor poderíamos aproveitar. Tempos difíceis, uns com bolsas de estudos, outros sem, uns com empregos públicos de professores universitários, outros ainda à procura. Tempos que os rabiscos de nossas teses e dissertações não passavam de solfejos delirantes de possíveis hipóteses. A única certeza era o prazer que gozávamos pelas amizades recém-construídas.

Todas as tardes tomávamos tererê e as noites chimarrão na casa de Eudes e Protásio. O primeiro, mato-grossense de Aquidauana, o segundo, um gaúcho de Santa Rosa. Um verdadeiro mosaico, um atlas geográfico de um país de dimensões continentais. Falávamos de tudo, do que nos separava culturalmente, do que nos aproximava.

Era como se a vida nos beijasse a boca e tudo se abria como um leque. Tudo era novo, sobretudo para mim, tão longe e distante do meu torrão maranhense. Tudo era desafio, instigante, culturalmente estranho, apaixonadamente fascinante. A cada dia novas pessoas, elos aumentando, vidas entrelaçando-se, até hoje, para nunca mais soltarem-se.

Cada um tomou seu rumo, fomos nos acomodando nas poltronas de nossas empreitadas, nos birôs de nossos gabinetes, nas falas enunciantes de nossas aulas, nas arguições de bancas, em outras funções desempenhadas. Mas a vida sempre dá um jeito de aproximar aquilo que um dia reuniu.

Ao sentarmos na varanda de um restaurante na cidade de Dourados, Mato Grosso do Sul, por ocasião de trabalhos acadêmicos, reencontrei-me com dois grandes amigos que levo para a vida toda, recobrando os afetos que sempre nos enlaçaram, agradecendo por tudo que fizeram por mim em momentos tão difíceis e mágicos naquele inesquecível ano de 1998.

Quem me dera poder reunir todos os que entravam na minha vida para nunca mais saírem, mas todos estavam nas bocas falantes de um passado presentificado naquele momento, nas memórias vividas e nada embotadas pela distância e ausência, no desejo de que essa cena se repita como fora a repetição de outra em outra varanda.

A música que tocou quando começamos a conversar foi VIDA CIGANA (de César Menotti e Fabiano):

Oh meu amor!\não fique triste\saudade existe para quem sabe ter\minha vida cigana me afastou de você\por algum tempo vou ter que viver por aí\longe de você\e do seu carinho\e do seu olhar....

A mesma que tocou há treze anos quando chegamos ao restaurante Varanda, em Assis, e dali contemplávamos o que nos ofertaria a vida.






4 comentários:

  1. Eu acredito em sincronicidade !! A amizade verdadeira permanece independente do tempo e do espaço. Ainda que os amigos vivam longe dos olhos, de certo eles vivem muito próximos do coração, já dizia a velha canção... Compartilhar esse momento foi muito especial. Inspiração que veio como um raio..záz tráz...rsrs abs

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    1. Querida Marcia Mello. Também acredito nisso, aliás, o que torna nossa vida singular, senão os afetos?

      abraços

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  2. Canalha, cachorro, bolhão... amo você para sempre!

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    1. também te amo toda vida. fazes muita parte dessa história. és um grande presente da vida pra mim

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