terça-feira, 23 de outubro de 2012

Carta a Frederico


Frederico, meu filho.

A essa altura se estiveres lendo é porque teu tio Augusto cumpriu a promessa de fazer chegar essa carta em tuas mãos. Estás dentro de um ônibus “em busca de um sonho intranquilo”. A paisagem passa ao largo e as janelas parecem uma tela de cinema em que tua vida é o roteiro. Talvez imagens de infância, talvez do hoje, do ontem; a última trepada com Antonia; o quase filho com Juliana; as brigas com Raimundo; teu nome sujo na praça por causa de dívidas, culpa de Bernadete; a velha ribeira; os temores do agora e os do porvir.

Estás numa estrada que ao final não sabes onde vai dar, é para saber? Para que o controle da vida nas mãos? 

O giro do motor ronca, a velha cidade que te viu crescer vai ficando para trás. Anseio, medo e expectativas começam a dominar o teu horizonte. Como sei disso... Bem, fiz isso a vida inteira, e cada vez era para sempre. A terra toda era meu horizonte: a bagagem e uma vontade danada de abraçar o mundo. Mas cada vez era para sempre, sem saber que para sempre, sempre acaba, como diria Renato Russo.

A tua decisão é arriscada, ousada, perigosa, e o velho poetinha dizia que são demais os perigos dessa vida, mas mais arriscado e ousado é não ousar, não transgredir, nem romper as sendas e vendas que obnubilam nossa visão. Viver é cheio de viver, a vida... Dentro dela tem mais vida. E mais vida.

Eu não sei escrever como tu. Tenho por ti muita admiração. Gostaria de escrever em verso, mas só arrisco as prosas. Acho que isso tem a ver com a forma como vejo a vida; outrora como uma linha histórica em que quereria eu pontuar os marcos lancinantes de minha vida, agora, como um roteiro de cinema... Ah, cinema... Como sou frustrado por nunca ter escrito um roteiro. Ah! Também tenho a frustração de não ser literato. Tento fazer de minha escrita um tom de veleidade, mas quá... Não dá... Não é a mesma coisa.

Me levantei para pegar uma taça de vinho. É um vinho branco chileno, uva sauvignon. Não gosto de vinho branco, acho porque penso ser enófilo e enófilos como eu não gostam de vinhos brancos, consideram de menor qualidade e não tão tradicionais, mas tem um português branco chamado...  Me esqueci. Acho que não gosto também porque vinhos brancos me lembram o período de penúria em que eu e tua mãe passamos em Urubamba. Essa eu nunca te contei. Como eram mais baratos que cerveja, quando eu e ela queríamos encher a cara e esquecer a vida, comprávamos aqueles alemães liebrefraumeche (acho que a grafia está errada, que em alemão quer dizer o beijo da mulher amada). Já estudaste uma vez alemão e então deves saber que em alemão uma única palavra pode significar uma frase inteira. Nunca te contei das penúrias de vinho em Urubamba. Aliás, sobre muita coisa não conversamos.

E tu dentro desse ônibus pensando no que te espera. Vai meu filho, pois que a sanha de qualquer retirante é a estrada, e o que seria das estradas sem os retirantes. Nessas horas me lembro de Sêneca que dizia que pensava com os pés.

Viver é bom, mas sonhar é melhor. Sou feliz, a noção de felicidade é uma conotação que se dá para os sonhos que se idealizam e supostamente se realizam. Realizar é importante, mas só se realiza se se deseja. O desejo é impulso, a realização é morte. “Morre” em Maputo: ama, chora, bebe, lê, realiza, deseja, deseja de novo, faz, porque o que é para sempre nunca mais estará te esperando.

Quanto a futuro, o que te impede? Nada, a não ser tu mesmo. És maior que tu mesmo. Olha para a estrada, porque a próxima parada não precisa levar a nada.                                                     












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