domingo, 29 de julho de 2012

Um Jongo e um Tambor-de-crioula de Rua

Noite agitada, pulsante, transeuntes, música, agitação, gente, muita gente, carro, barulho. No traço arquitetônico de um Rio de Janeiro ainda colonial, hoje bairro boêmio da Lapa, todas as últimas quintas-feiras de cada mês, sempre à noite, acontecem o encontro de batuques da África, uma celebração de nosso passado não muito distante, marcado pelos embates da escravidão.  

Turistas nacionais e estrangeiros são atraídos pela força da evocação dos três tambores e pelo pulsar da dança. Em meio à uma arquitetura cada vez mais soft, convivendo com o passado colonial, exatamente embaixo dos arcos da Lapa, antigo aqueduto da região, passagem hoje para o bairro de Santa Teresa através do bondinho, os três tambores, ou do Tambor-de-Crioula, ou do Jongo, também cognominado de Caxambu, existe um caráter de uma sociabilidade que teima em resistir e não morrer. 

Antiga prática escrava, quer o Tambor-de-Crioula, originado no Maranhão, quer o Jongo ou Caxambu, região do vale do Paraíba, ambas as danças são coirmãs, diferença pontuada pela presença masculina no caso do Jongo. Ambas celebram a fertilidade da terra, a espiritualidade africana radicada no Brasil, a vida, o amor, a alegria, ritmada pelos tambores.  

Num mundo em que a individualidade dá o tom dos novos padrões de sociabilidade, as brincadeiras de roda, simbolizando o elo entre as pessoas, perdem o espaço, o padrão de consumo é o cartão de visita como elemento de persuasão e atração sensível, os códigos sociais de ilação nas cidades se esfalecem, elementos como o Jongo e o Tambor-de-Crioula em pleno centro cultural e boêmio do Rio de Janeiro tem muito a nos dizer. 

As danças são aglutinadoras, não excludentes. Não é preciso ter dinheiro para dançar, nem ser feio, nem bonito, apenas ser gente, sensível, entrar no espírito da dança e se deixar levar por uma atmosfera cada vez mais distante: a da relação entre homem-mulher-natureza.

Não à-toa que o ritmo cadenciado repete as batidas do coração, e o corpo não consegue ficar parado. É bem verdade que muita gente passa ao largo indiferente ao que está acontecendo, em busca de outras formas de sociabilidade, prazer, aglutinação, mas os que ali se quedam maravilhado com essa antiga prática escrava, rememoram um tempo não muito distante de que a dança era uma das poucas formas de integridade física e espiritual exercida pela luta pelos escravos, logo, era uma forma de resistência. 

Resistência hoje repetida pelos que ali brincam, dançam, celebram nos dias de hoje, quintas-feiras, embaixo dos arcos da Lapa. A escravidão acabou, a opressão não. 

Festas, segundo Bakhtin, são uma das formas de incorporação, exclusão e/ou inclusão/exclusão ao mesmo tempo, ou seja, nas festas existe uma representação das categorias de classe existente nas sociedades muito bem estandartizadas nas roupas, modos e locais de participação. Vide exemplos como: quadrilhas, carnaval, micaretas, etc. Nessas manifestações, as categorias sociais estão muito bem divididas. No entanto, as festão também são formas de subversão, vide, de novo, o caso do carnaval: homem se veste de mulher, rico de pobre, pobre de rico.

Há festas que são a própria concepção da inclusão, Tambor-de-Crioula e Jongo são dentre outras, exemplos. Qualquer um pode se aproximar, ouvir, dançar e sobretudo, dançar. – Mas eu não sei dançar jongo? Basta respeitar o momento certo de entrar; quando um outro casal ou parceiro se despede, ou, quando gentilmente o convida para dar a vez. É democrático, é cadenciado.

Abra os braços, no caso do jongo, convide uma parceira, não dispute com ela, seja cortês, acompanhe seus movimentos, se aproxime e se distancie respeitando a sonoridade-espiritualidade dos tambores. Pronto. A vida está ali sendo celebrada, pois que é feliz, extremamente feliz. 

Quando vejo rodas de Tambor-de-Crioula e de Jongo, dentre outras manifestações, eu me sinto renovado. O mundo é cada vez mais dissociado, mas existem formas de resistências. Os antigos escravos resistiram. Eles venceram... Hoje, re-ritualizamos suas antigas práticas. 

A vida é mais. Celebremos a vida. 


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