(Patricia Luzio e Henrique Borralho)
Naquela casa de madeiras pálidas, mais aquosas do que
propriamente sólidas, ela fabricava algo com seus dedos assustados da noite
anterior.
Era de coser, era de coser. A cadeira lentamente ia para
frente e para trás, num movimento sinuoso, pendular como a balança do tempo em
suspenso.
Algo nela se calava, mas outro algo gritava: queria
desaparecer dali. Casa apertada, gente apertada, e ela ali, encolhida em sua
cosedura para, quem sabe, algo de novo se alinhavar.
De onde vinha o infortúnio com a pequenez do lugar? O que
era aquela claustrofobia? Vontade de viver? Ou de não morrer?
Algo nela sabia que o mundo dançava num ritmo mais
acelerado que o movimento de sua cadeira.
Carolina assim se punha: a filha mais velha (bem velha) em
corpo andrógino, membros finos quase quebráveis. Era ela, a menina da
janela que via o tempo passar. A mesma que outrora, meiga, doce e ingênua, com
o passar do tempo transformou as horas em auguras das batidas do relógio.
De sua vida claustrofóbica, só queria escapar, esvanecer.
Tão pequena e já se sentia pó. É que a velha nela imperava, os anos se passando
por detrás da janela, e nem um fio ela alcançava que pudesse arrastá-la dali.
Por isso cosia – quem sabe era aquele o fio?
O fio era intuição de que o melhor não poderia estar ali.
De sua cadeira, avistava pela janela o quadro por onde a vida a enxergava. Mas
algo nela sabia que a paisagem da vida era maior que o quadro de sua janela.
Quantas vezes sonhou estar rasgando em voo aquela paisagem
rumo à sua vida, ainda em espera por ela? Quando é que aterrizaria?
A angústia lhe apertava a mão e, de tão teso o coser,
escorria-lhe sangue pelos dedos. A cólera contida se revestia no desenho do
tecido ilegível. Coser já não era fazer algo: era não fazer nada, porque o nada
era o único horizonte.
A janela se fechava e a paisagem ia ficando
taciturna. Mesmo assim, algo nela respirava e suspirava pelo diferente do
mesmo, um sopro-pedido-de-socorro à sua alma escondida pelo tempo que escorria
pela janela. E este sopro ínfimo ela sorvia com todas as forças de seu lânguido
corpo, fazendo-o pulsar até não poder mais se esquecer de que ela ainda
existia. É possível.
Foi então que se levantou da cadeira e, em vez de olhar o
mundo pela janela, Carolina escancarou a soleira da porta arrastando o fio que
cosia. E, à medida que andava, aquela trama já não fazia mais parte
de sua vida, o novelo de lã se esmilinguia, findava-se, e sua vista só
alcançava a imensidão do mundo, sem nenhuma saudade dos tempos da cadeira de
balanço.
Suas pernas davam a nova cadência: agora para frente, não
mais para frente e para trás, sem sair do lugar.
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