sábado, 21 de abril de 2012

Uma noite memorável

Todos os encontros com Flavio Lazzarin são especiais. De estatura mediana, fala grossa e baixa, ligeiro sotaque lombardo, fino gosto gastronômico, afetuoso, sensível, dorido pelas causas sociais, Flavio é um daqueles sujeitos do Brecht que não desistem nunca. É essencial. Chegado ao Brasil nos idos da década de 80, quando o próprio afirma que o país era outro: ainda idílico, ingênuo, utópico, se apaixonou pela terra brasilis e por aquilo que a Europa já não tinha mais, um mundo rural ainda não totalmente contaminado pelo grande capital. 

Quando nos encontramos na última quinta-feira, dia 19 de abril, dia do índio, logo ele, um etnógrafo, um defensor desse grupo, num bar da Lagoa, de pronto colocou sua indignação ante o que classificou como recrudescimento do Supremo Tribunal Federal em relação às conquistas quilombolas. É que os conservadores, retrógrados, do DEM (Democratas), entraram com uma ADIN (ação direta de inconstitucionalidade) em relação às garantias da Constituição de 1988 reconhecendo territórios quilombolas e de comunidades tradicionais. Flavio se ruborizou. 

Quando aqui chegou, de imediato filiou-se às lides da CPT (Comissão Pastoral da Terra) e onde milita até os dias de hoje. Foi um dos responsáveis no Maranhão pela formação de um grupo de jovens pesquisadores que passaram a estudar as ações da CPT, dentre eles, Wagner Cabral da Costa, hoje professor do Departamento de História da UFMA. De lá para cá, suas ações políticas nunca cessaram. É um apaixonado, empedernido pelas condições campesinas no Brasil. 

Não é de hoje nossas conversas em suas varandas sobre a situação política no mundo, sobremaneira a brasileira. Sempre que nos encontramos vão fios de hora em que criticamos esse ou aquele político, essa ou aquela prática pública, essa ou aquela possibilidade de ação que se reverte em esperança..

Conheci-o em 2009 pelas mãos dos meus amigos italianos Anna Casella e Cesare Paltrinieri, que por sua vez, me foram apresentados pelo também italiano, amigo-irmão, Claudio Zanonni. Sempre que estão no Brasil, Anna Casella, Cesare, Zanonni, este último residente no Brasil, já naturalizado, e em companhia de mais amigos nos reunimos, sempre à mesa, para discussão de política, sobretudo ela.      

Nesse último encontro do dia 19, me disse muito triste que o Brasil foi o melhor laboratório da experiência capitalista ocidental; não foi nem Estados Unidos, nem a própria Europa. Nesses lugares as coisas foram se dando abruptamente; aqui não, existia uma certa resistência popular e cultural, além de obstáculos políticos, por isso, a elite brasileira em consonância com o grande capital ia testando novas fórmulas de dominação, novos aparatos sociológicos. Enquanto a elite brasileira admirava a Europa e os Estados Unidos como mecas de consumo, a Europa olhava o Brasil para saber dos possíveis rearranjos do capital como zona de transformação. 

Disse a ele que tinha a mesma sensação com o Peru. A impressão que me passa é que esse país, guardada as devidas proporções, é o Brasil da década de 80, vivendo os conflitos entre o tradicional e o moderno, a identidade indígena e a pasteurização dos costumes, a preservação de práticas comunais e a chegada do turismo vociferante, um pé no passado e os olhos para o futuro. Lima é um enclave: uma cidade com 19 milhões de habitantes com todos os problemas de uma metrópole e um interior ainda de traços incas. Como aquele país vai resolver esse dilema não sei, mas algumas fissuras sociais já estão bem à mostra.

Como também o Brasil está passando por esse processo, embora bem antes do Peru, estamos neste exato momento assistindo a seus desdobramentos. É disso que o Flavio lamenta: a opção pelo agro-business matando florestas, práticas comunitárias, vidas simples, sem o devido respeito sobre as pessoas que habitam nesses lugares secularmente, além da capitalização política em Brasília cujos interesses não são da população, mas dos conglomerados nacionais e internacionais. Mais do que nunca, a política se transformou num balcão de negócios, por isso os conflitos sociais saltam aos olhos. O ciclo capitalista de consumo chegou de vez ao Brasil e deve durar uns 20 anos.

Como bom italiano, não poderia deixar de mencionar a saída de Berlusconi, sua indignação com a Liga Lombarda: fascista, separatista, xenófoba, que pretende, além da separação da Itália do Norte da do sul, a expulsão de africanos, latinos, congêneres.

Sua análise sobre o governo Dilma não é animadora. Ambos concordamos que no ano que vem, quando os ventos da crise econômica efetivamente atingirem o Brasil, os índices de popularidade vão cair bruscamente, além do fato de que para ele, Dilma não tem projeto de governo; governa no varejo.

Foi então que depois de tanta análise dura e crua sobre as condições políticas na Itália e no Brasil, me pediu que o levasse para o bar do Léo. Queria reviver aquele espaço de saudade onde algumas vezes desenhamos um mundo melhor regado a boa música brasileira.

Confidenciou-me que em sua juventude ouvira muita MPB, passaporte brasileiro para difusão dessa cultura no mundo. Quando aqui chegou se inteirou das novidades musicais e guarda pérolas do nosso cancioneiro. Foi aí que começamos a falar da vida no sentido dos terrenos dos afetos. A vida é amor, o resto são adendos.

Disse-me que ao longo de sua jornada viveu várias vidas em uma só e que o balanço é positivo. Isso só é possível quando temos a certeza de termos sido dignos conosco e com os outros, quando levamos a vida com inteireza e integridade, fiéis ao que acreditamos, cônscios dos nossos papéis sociais e políticos, encaramos a beleza da vida. Só me restava sorver a maturidade daquele homem-jovem com vigor e vitalidade de dar inveja a muitos púberes néscios. Somente um jovem-homem é ainda capaz de sonhar, desenhar projetos, pretender realizar sonhos individuais e coletivos. Senti-me brindado por essa amizade e por aquela noite.

Só discordamos de um ponto: o romantismo. Para ele, o romantismo é um perigo, pois desvela-se para a não-razão. – “Fazer concessões sim, ser visceral, nunca. É preciso ser romântico com prudência”, disse ele. Foi então quando petardei o fim de minha paixão pela Universidade que ora se apresenta: produtivista, geradora do homo lattes, pragmática, sem reflexão em que a produção derivada é cada vez mais o requentado de tantas outras que por si só também já não diziam mais muita coisa. Estamos assistindo ao mais do mesmo cada vez mais. A Universidade hoje é um lugar de inserção e preparação para o mercado de trabalho, não mais da crítica dele. Como diria Marilena Chauí: a Universidade se rendeu a um lógica fordista de produção intelectual, para ela, esquizofrênica. Como bom “romântico”, me disse para não perder as esperanças, a vida é mais. Está em pequenos detalhes, pequenos gestos.

A vida se revelava, por exemplo, nas óperas de Giacomo Puccini, que o pai de Flavio tanto ouvia quando ele era ainda uma criança. – “Meu pai era um romântico, Henrique.... Agora me dou conta de que eu também versava sobre o mundo em literatura e na fotografia. Aliás, porque teu blog se chama versura? Perguntou ele”. Contei-lhe que tal expressão era uma homenagem ao filólogo italiano Giorgio Agambem, que me foi apresentado pelo poeta Alberto Pucheu Neto. Disse ele que em latim Versura significa varrer, levar para o outro lado, mudar. Em português, a conotação mais aproximada disso levado à literatura é o desdobramento da palavra.

Ao entrarmos no carro, revelou-me que havia deixado a captura do mundo pela literatura e pela fotografia porque pensara que cada instante deveria não ser encapsulado sob outra forma ou linguagem, tem que ser vivido ali e apenas guardado na memória.

.... – Você tem razão... vou voltar a escrever e fotografar... Eu também sou um romântico... Quando eu chegar a casa, vou ouvir Puccini.        

                           
    








sábado, 14 de abril de 2012

comer, andar e lembrar

Na feirinha da Praia Grande, dia 12 de abril, cidade de São Luís, centro histórico, espaço boêmio e nostálgico, comemoramos o aniversário da “incauta”, maravilhosa salve-salve, minha amiga Mariana Sulidade, na companhia de pessoas não menos fantásticas. Ao chegar à mesa, deparei-me com uma torta de chocolate recheada de umas dúzias de cervejas, bom papo, noite enluarada. Não tardou para o assunto em questão passar a ser gastronomia.

Foi então que lancei o desafio: marcaremos uma data específica, num lugar específico e cada um levará um prato especial, ou melhor, levaremos os ingredientes e todos participarão do banquete dionisíaco. Enquanto isso, o notebook ficará ligado, acessado a este blog e a quantas mãos quiserem poderão escrever qualquer uma de suas experiencias gastronômicas, inclusive esta que se realizará no momento na tessitura da crônica. Então, lancei um segundo desafio: escrever uma crônica sobre a memória gastronômica da cidade de São Luís. Tantos quantos lerem este blog podem mandar suas experiências que terei o maior prazer em publicar os recônditos especiais da gastronomia de São Luís.

Enquanto esses desafios não se cumprem, comecei a me quedar sobre a relação entre comida, prazer, poder, sinestesia. Dei-me conta e também a partir do comentário do Acrísio, que estava à mesa e ofereceu a casa dele para o banquete, que a relação com a comida é também uma histórica luta pela sobrevivência, vide que neste exato instante 1/3 da população global simplesmente passa fome.

A relação com a comida passou da condição de mera sobrevivência, momento que éramos meros hominídeos, para uma situação de status social, "requinte", poder e prazer sinestésico.

Antes do surgimento do crack, o maior prazer catalogado pela biologia era o de comer. Isso deve-se à noção de saciedade que começa pelas glândulas salivares e imediatamente é transportada até o cérebro, sem olvidar claro da imensa rede, tessitura neurológica que os peptídeos estabelecem pela memória celular que os alimentos carregam. Na verdade, são os peptídeos que possuem a memória dos alimentos e o prazer inter-relacionados a essa sensação.

Depois, veio a passagem da comida como mera necessidade biológica para uma configuração gastronômica. Gastronomia e comida não são a mesma coisa, embora a primeira só exista em decorrência da segunda. A gastronomia é o artefato cultural da comida.

A panela de barro faz parte do aparelho digestivo. Se não fosse ela, até hoje teríamos uma cabeça gigante, uma dentição maior que a de hoje e caninos mais protuberantes, afinal, dentes grandes eram necessários para a trituração dos alimentos; com a panela de barro os dentes grandes diminuíram, sumindo alguns, e o apêndice, outrora reserva de gordura, só serve hoje para uma apendicite.

Depois vieram as viagens para as Índias em busca das chamadas especiarias, temperos como cravo, canela, alecrim, etc. O Europeu singrava os mares para temperar sua comida. Logo nasceria a boa mesa. A aristocracia como forma de se notabilizar diferente da burguesia "reinventa" a etiqueta criando alguns talheres, um ritual para humilhar os novos ricos que tinham dinheiro, mas não sabiam se comportar à mesa. Detalhe: antes do século XVI, a mesma aristocracia que tirava troça dos burgueses por não saberem “comer decentemente”, arrotava e flatulava como sinônimos de que haviam gostado dos pratos. Quanto maiores os arrotos e  flatulências, maior a apreciação da comida.

Eu sei que “etiqueta” é uma criação aristocrática, e que comer “bem” é sinônimo de uma relação também de poder, mas não posso negar que determinadas comidas estabelecem conosco uma memória sentimental, afetiva, com sabores e gostos, sobretudo com lugares. Eu não me engrandeço por ter tido a oportunidade de ter viajado e experimentado alguns pratos que guardo afetivamente, eu quero que todos possam ter suas experiências gastronômicas.

Vez por outra me pego lembrando de lugares e sabores. Agora mesmo quando escrevo esta crônica, um filme me passa pela cabeça de comidas que quero algum dia voltar a sorver. Não vou falar do Maranhão, isso vai ficar para a experiência gastronômica na próxima crônica; vou discorrer sobre alguns pratos que me marcaram. Sou como Sêneca, eu penso com os pés. Todas as vezes que viajo, uma das coisas que faço é degustar pratos locais, há uma antropologia em cada prato.

No Piauí, lembro-me de um bode assado na Serra da Capivara, próximo do sítio arqueológico. Ninguém faz bode como os piauienses. Em Belém, um cozido de filhote de encher a boca ao lado da casa das 11 janelas. Em Salvador, um sarapatéu bem próximo de onde foram filmadas as cenas finais do Pagador de Promessas, perto das escadarias. Não me lembro da dona do restaurante, mas o sarapatéu é impagável.

Em Sampa, no restaurante do “Bahia”, ao lado do estádio do Canindé, iguarias da culinária nordestina como poucas vezes vi. Tem também as famosas cantinas italianas com pizzas finíssimas e mil sabores, para deixar qualquer italiano furioso... Tudo bem... os italianos “roubaram” a massa dos chineses; os paulistas, a pizza dos italianos...

No Rio de Janeiro, no restaurante da Alerte, próximo à praça Afonso Pena, a melhor empada de camarão do mundo. Tem também no bar do Alemão em Santa Tereza um caldinho de feijão de levantar qualquer defunto. Perto da Rua Sacadura Cabral, tainhas fritas com pitadas de limão de encher os olhos, não o estômago, são muito pequenas. Em Porto Alegre, um fondue de queijo que em noites de frio calham muito bem.

Em Buenos Aires, os cafés que são ponto de encontro para leitura de jornal, falar mal dos políticos e reclamar da vida, um alfajor no Havana café, ou no Tortoni são o que há. A carne, que me desculpem os gaúchos, com pouquíssimo sal são sua grande especialidade; macias, suculentas, não se comparam a nada que já comi. No bairro de La Boca, bem em frente ao estádio da Bombonera, uma pastelaria do Giovane, argentino pançudo, boa cepa, alegre, com pastéis suculentos e leguminosos. Logo na entrada um aviso: “aqui não se aceita falar mal de Maradona”. La Grand Pocha, nome da pastelaria, é uma homenagem à sua mulher, uma negra brasileira com uma foto tomando conta da parede em frente ao balcão.  

Em Montevidéu, no mercado central, lugar lindíssimo, uma boa parrilhada, mas o melhor mesmo é pedir um cerdo com sobremesa de torta de maçã. Guardo uma lembrança inusitada de Montevidéu: andar de madrugada a 7 graus abaixo de zero sozinho, cruzando todo o centro histórico à procura de um bom café. Quando o encontrei, senti toda a essência da cafeína descendo pela garganta.

Em Santiago, no mercado central, cheiro de Oceano Pacífico, comidas exóticas, monstros marinhos, um salmão gigantesco não me sai da cabeça. É um dos melhores lugares de Santiago, além da casa de Pablo Neruda.

Em Lima, no Peru, aquele Ceviche apimentado me atormenta. Prato simples: cebola, uma pimenta endiabrada e um peixe. Ai, ai, ai!!!! Perto do Museu da Nação, lugar emblemático, memória do passado inca dos peruanos e da construção da memória anti-Sendero Luminoso, uma evocação direta ao “heroísmo” de Fujimori, tempos de guerra civil recente, ferida mais que aberta, tem um restaurante que serve especificamente pratos criollos, comida “tipica peruana”. Não me lembro do nome de nenhum prato, mas eram saborosíssimos. Em Barranco, distrito onde Mario Vargas Llosa ambientou La cuidad e los Perros, e também Chabuca Granda compôs Prenda Minha e Fina Estampa, um pisco notável, além de pastelarias servindo uma massa especial com recheio de sardinha do Pacífico.

Foi nesse distrito que guardo uma experiência afetiva. Caminhando pelo barranco, que fica em frente ao Pacífico num ponto alto, por isso o nome barranco, tem restaurantes chiquérrimos, há uma condição meio triste: peruanos pobres ficam em frente aos restaurantes para atrair turistas aos empreendimentos que os contratam. Conheci um desses peruanos que trabalhavam para um restaurante e o convidei para jantar comigo. Todos no restaurante me olharam com olhar de censura, sobretudo o dono. Foi aí que ele me contou sua triste história. Morava com sua mulher e dois filhos em Arequipa quando do terrível terremoto de 2006 matando 200.000 peruanos. Sua mulher e dois filhos foram vítimas. Sem ter o que fazer, foi para Lima, em busca de emprego e sobrevivência. Suas noites são absurdamente solitárias. Não há uma só noite que não se lembre de sua esposa e filhos.

Em Cuzco, num restaurante popular, bem próximo à Praça das Armas e onde Atahualpa, o último imperador inca, foi morto, um peixe frito somente com limão, e muito, muito milho com toda a variedade de cores e formatos da agricultura peruana.

Em Lisboa, no bairro do Baixo-Chiado, da qual São Luís é réplica, um suculento bacalhau à galega, alto, posta grossa, muito azeite e uma garrafa de vinho da casa.

Em Salamanca, na Espanha, perto da Igreja onde Colombo discutiu com a cúpula sobre a viagem de circunavegação, uma paella e toda a sua variedade de ingredientes.

E por fim, a Itália. Nem tanto pela desmesura do prato, mas pelo sentido cultural, afetivo e emblemático de como a comida está engendrada na história dos povos. Meu amigo César Paltrinieri, após eu ter dito que fazia capelleti em minha casa, levou-me para a região onde esse prato nasceu, proximidades de Monza. Na passagem, convidou seus três melhores amigos. Ao chegar ao restaurante o dono fez uma pegadinha comigo: me ofereceu uma colher de azeite balsâmico. – Fantástico!!!! respondi... Ele se ofendeu e disse que eu não entendia nada de azeite e mostrou o que ele escondera segurando a mão esquerda para trás: um azeite especial que estava guardado havia 6 anos. – “o verdadeiro azeite leva tempo para depurar, meu jovem”... Depois, veio enfim o capelleti, preparado a 6 cozimentos de 6 tipos de carnes diferentes. Ao provar, fiz aquele gesto de quem está sorvendo o maior manjar dos deuses. Todos nós nos servimos. Foi aí então que entendi como os italianos se relacionam a partir da mesa. Meu amigo César achou fabuloso, já Geovane disse que não estava bom porque o capelleti havia descido na garganta muito rápido, prova de que a massa não havia depurado suficientemente. Começou a discussão. Durou duas horas. Meu péssimo conhecimento da língua italiana me deixou atônito. Não entendi porque uma simples discussão sobre o capelleti poderia gerar tanto celeuma. Esses quatros grandes amigos se reúnem uma vez por semana em um restaurante para falar sobre a vida, sobre comer e lembrar ....

A comida é sinestésica, ela nos remete a outros sentidos; hoje eu entendo por que gastronomia é além de mera comilança...

aguardo ansiosamente os depoimentos de quem quiser narrar sua experiência.  



sábado, 7 de abril de 2012

Ferro-velho


Por Tonny Araujo  


Sempre fui um amante da música. Desde muito pequeno lembro bem que me deliciava a ouvir clássicos por horas e horas. Clássicos estes que para mim eram a fonte de toda a inspiração e, de forma estranha, somente quando me valia da companhia deles, era capaz de me debruçar na cama e dar espaço a mais insana imaginação. Era um momento de quebra não tão somente da realidade, também era de abandono a velhas idéias, algo que excedia sobremaneira a relação entre consumidor e produto, fato que não acontecia quando me dispunha de albuns contemporâneos a mim. Talvez, porque a alta qualidade de gravação me soava enganadora, distante, ofensiva, enquanto que as mais antigas, de forma irônica, eram as que mais se aproximavam de meus sentimentos. Era de fato satisfatório.

Nasci aqui mesmo em minha casa, casa de tamanho significativo, neste bairro circunciso e calmo. Talvez o meu gosto por músicas antigas tenha nascido quando eu mesmo ainda não. É que, quando minha mãe ainda estava grávida, havia alguns vizinhos que se predispunham a deixar o volume de seus equipamentos de som ao máximo quase todos os dias com canções que traziam consigo não só o poder de lançar a alma em outra época, elas a rejuvenesciam, talvez para que aproveitassem uma vez mais a felicidade de um tempo que jamais voltará substancialmente. De certa forma, acredito que ainda enquanto feto, aquele som ecoado, aquele disco gravado com os últimos centavos que restavam dos músicos, me encantou desde ainda nem nascido.

Imagine nascer numa cidade cuja única opção de diversão se encontra nos supermercados? Eu sei. Não se pode viver sem adquirir bens de consumo em uma sociedade moderna como a nossa não é mesmo? Por essa razão, os velhos vizinhos, cansados desse ritmo agressivo de reabastecimento diário, optaram por dedicar mais tempo para si mesmos, para separar seus melhores discos (geralmente, os que estavam mais empoeirados) e investir em sensações alheias à sua carne velha, de uma estética ignorada até mesmo pelos próprios familiares. Eu os a admirava por isso. Muitos morreram ao passo dos anos, porém um perdurava junto de seus velhos alto-falantes, de suas tralhas, apegado ao ultrapassado, ao feio por não ser útil a muitos. Seu nome era Jeff Oldmind, um velho homem dedicado a manter vivas as tradições do interior que deixara para trás bem novo, por isso seus objetos materiais eram como pedaços de seu coração e as belas canções lhe recobravam os tempos em que fazia serenatas para as donzelas que um dia amou. Estas e muitas outras coisas me foram concedidas conhecer.

Numa certa vez em que junto de uns amigos invadimos sua propriedade, sem qualquer motivo lógico, a não ser, é claro, pelo desejo voraz de ter acesso a um local jamais pisado, mesmo que este estivesse a uns 50 metros de nossas próprias casas. Estávamos em quatro: Eu, Corson, Jonh e Sammy. Estudávamos na mesma escola, então tínhamos bastante tempo para arquitetar maneiras loucas e infantis de se divertir, como a dessa noite. Foi numa quarta-feira, às dez horas, nunca ei de esquecer aquela visão magnífica de sucatas, eu devia ter uns nove, ou dez anos, e aquilo para mim se constituiu como um reino de valiosa fortuna. Lembro bem que o velho Oldmind ouvia em seu quarto a canção “We belong together”, um clássico dos anos 50, e que embalou aquela visão esplendorosa. Havia carros dos anos 40 ali, rádios de botões maiores que as tampinhas de refrigerante, aparelhos de tv abertos, deixando à mostra peças enormes, como robôs aposentados e substituídos por outros de melhor tecnologia, porém com a mesma finalidade, mesma função.

Achávamos que poderíamos fazer o que quiséssemos, pois nunca o velho escutaria qualquer ruído que não fosse o da agulha no vinil, indicando a mudança de faixa, ou que o disco, que geralmente continha no máximo quatro músicas, tinha se finalizado.

Foi um momento excitante, me encontrava anestesiado dentro de um Carocha preto, sem rodas, quase que engolido por inteiro pelas trepadeiras que envolviam boa parte dos objetos dali. Me sentia realmente um soldado em plena Segunda Guerra. Para aumentar a emoção, encontrei fitas antigas no porta-luvas, uma delas era uma regravação do disco “That’ll be the day”, canção que teve outras tantas versões desde o início da década de 60. A adrenalina possuíra meu corpo por completo quando de alguma forma o toca-fitas funcionou e começou a tocar a música de mesmo nome. Mal conseguia reparar em meus amigos, muito menos no clima, ou mesmo lembrava em que século estava, só conseguia pensar em voar. Isso mesmo, aquele velho carro enterrado na terra, agora se tornara um luxuoso aeromotor, e nada poderia me trazer de volta ao presente.

Enquanto me deleitava com as músicas, fui capaz de perceber a ausência dos meus fiéis companheiros de aventura, e pude ouvir batidas que não eram da bateria gravada das canções. Era o velho Jeff. Era o velho Jeff Oldmind que batia à porta do veículo!
O medo tomou conta de minhas ações, tentava abrir a porta, porém não conseguia, estava trancada, e as canções que, outrora traziam êxtase, agora aumentavam meu terror diante daquele rosto de pele caída e expressão diabólica. Vendo minha relutância em abrir a porta para que entrasse, facilmente o fez, tranquilamente sentou no banco e mudou de faixa dizendo:

- Ah! Essa aqui é bem melhor, tem um compasso mais suave. Ouça! Disse com tamanho brilho nos olhos o tal senhor, sabendo que um ritmo mais lento, com certeza amenizaria a velocidade das batidas do meu coração. Era “True love ways”.

O velho realmente foi muito sábio, confesso, pois, pouco a pouco, ao ver suas expressões faciais, uma sensação libertadora se digladiava com o medo, outrora devorador que minha face mostrava. E ele ficava lá, com a cabeça recostada em seu banco, com um sorriso leve, e olhos fechados, como se as ondas sonoras da canção pudessem tocá-lo como mãos forçando seus lábios secos e de aparência triste, quando da ausência de tais canções, a se alegrarem.

Incomodado por vê-lo naquele invejoso estado, o indaguei:

- O que tem de tão especial nesta canção?
- Por favor, meu filho... Respirou por um tempo e prosseguiu:
- A pergunta é o que esta canção tem de especial para você?
- É a primeira vez que a ouço senhor, não a conhecia. Só ouço as canções de ritmo rápido.

Foi então que se pôs a derramar lágrimas tímidas, e me disse que aquela canção o fazia lembrar de seu falecido filho e de como conhecera sua esposa que partira a menos de dois meses.

- Tudo aconteceu num acidente de carro. Eu vivia sempre apressado, seguindo o ritmo da cidade, do trabalho. Foi horrível perder meu filho naquele dia, mais ainda minha mulher, que doente e com tais lembranças em sua mente, não suportou e se foi, me explicava o senhor.
- Descul...
- Calma! Não se desculpe. Não choro de tristeza. Os fatos foram tristes, eu sei, mas há muito tempo percebi que não é chorando de tristeza que as coisas se encaixarão. Perdi pessoas muito queridas, muito amadas, mas sei, e essa canção me dá forças para acreditar, que um dia nos encontraremos num lugar, numa hora, bem melhores.
- Quer dizer no céu, senhor?
- Qualquer dimensão em que haja amor, meu filho, outro planeta, até.
- Parece um sonho. Mas, o senhor não é velho demais para...
- Para acreditar em sonhos? Sorriu como nunca naquela noite e me respondeu:
- Você vê apenas uma carcaça velha, fraca e que logo, logo não existirá mais. Porém, os sonhos que todos carregamos são feitos de um elemento eterno, quanto melhores e maiores forem, maiores são as possibilidades de se tornarem realidade. Porque é disso que o mundo precisa. Entende?
- Então, quer dizer que o mundo precisa de bons pensamentos para se manter? O indaguei incrédulo com minha pergunta.
- Pelo visto, você aprende bem rápido. Disse satisfeito e completou:
- Você ainda é jovem, mas me parece um grande amante da música, assim como eu. Sua família deve ter muito orgulho de você. Não sei se sabe o meu nome, mas, não perguntarei o seu, às vezes nomes, soam de maneira a nos fazer construir pré-conceitos. Veja só o meu “Jeff Oldmind”. E eu ainda tenho vinte anos! E caimos na gargalhada.

Depois me disse para não ser tão apressado como as canções que gostava, e que não tratasse as pessoas como, por muito tempo ele as tratou, como imortais, que cada uma possui um pouco de “objeto antigo”, que sua importância atravessa os anos, por mais longos que sejam. E que esse era o caminho verdadeiro de amar.
Já seguro e contente pela companhia do velho Jeff, o olhei fixamente e abri a boca para dizê-lo a meu respeito. Queria lhe dizer o meu nome, em respeito à sua posição, e por educação.

- Mil desculpas. Prazer, senhor Jeff, o meu nome é...

E lá estava eu, ainda no Carocha preto. Sozinho. Era dia. Devo ter dormido aquela noite, e como tenho o sono pesado, meus amigos não conseguiram me acordar. Saí para ver o dia e percebi que estava em um ferro-velho. “Tudo que aconteceu não passou de um sonho?” Pensava comigo. Enquanto caminhava para casa e imaginava a possível surra que me esperava, no meio do caminho ouvi bem baixinho uma canção doce e suave que falava:
“Ao longo dos dias, nossos verdadeiros caminhos do amor nos trarão alegrias para compartilhar com aqueles que realmente importam. Às vezes nós suspiraremos, às vezes nós choraremos e nós saberemos, por que só você e eu conhecemos os caminhos do amor verdadeiro.” Sim, essa é a história de um sonhador.



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terça-feira, 3 de abril de 2012

Sem poesia

Na sala, papéis embolados empilhando a passagem da porta até o restante da casa. São rabiscos, traços, vociferações de um desejo compungido de desenhar aquela palavra, aquele verso quase inaudito, quase perfeito. Ao fundo, uma melodia graciosa como inspiração, cigarro aceso sobre a mesa, uma garrafa de café, um olhar de soslaio pela janela; a vida lá fora agitada, vidas sem rumos, algumas à procura de sentido, outras à procura do capital. Nada apascentava o espírito de Condorcet. À frente dele a tela do computador, versos numa parede branca de word, palavras salpicadas, livros de Drummond, Neruda, Manuel Bandeira, Florbela Espanca, Alberto Pucheu Neto, Fred Góes, Augusto Venturoso, críticos literários, Agambem, Italo Calvino, Roland Barthes, manuais de literatura, dicionários de sinônimos, o último disco de Chico Buarque, tudo ali na mesa próximo ao teclado do computador.   

Mais um papel quentinho sai da impressora com versos embotados. Mais um embolado empilhando a passagem. Ainda não foi dessa vez, o verso inaudito ainda não saiu. Condorcet se perguntava como poetas, músicos, artistas enfim haviam chegado lá. Como haviam conseguido dar sua marca à existência, influenciado pessoas, ter dito coisas fantásticas que tocavam a alma de muitos, como conseguiram dizer coisas que outras nunca disseram, de onde vinha a inspiração, de que matéria se fazia uma boa inspiração? Era apenas técnica, muita leitura, sorte, anos de experiência, graça da crítica que por uma razão "escolhe" um ou outro artista, poeta, literato, enfim, para ser a bola da vez?!!! De onde vinha a inspiração dos artistas? O que os movia? De que matéria eles eram feitos?

Foi burilando poemas, lendo e relendo romances, vendo e revendo filmes, livros de crítica literária, entrevistas com seus escritores prediletos que percebeu uma nuance em comum em todos eles. Todos, sem exceção, eram inquietos, angustiados pela busca do sentido da vida, e cada poema, cada música, cada quadro pintado, ou quadro a quadro do cinema são excertos da mesma paisagem, da mesma cena, dita de forma diferente por homens e mulheres ao longo dos tempos.  

O que faltava a Condorcet não era técnica, leitura, experiência, era ser compelido por um sentimento tão arrebatador que quando vem é uma tormenta impossível de frear, represar, parar. O que ele constatou foi que em toda obra de arte há algo para além de quem fizera, existe um narratário, um sentido do texto, do poema, do filme, da pintura, da fotografia, da arquitetura, da dança, do picadeiro do circo, do teatro, existindo em si mesmo quase independentemente do artista. A forma do narratário de existir é pincelada sim pelas matizes do autor, por vezes crivada, obliterada, mas depois de existindo, ainda que recortada pelo viés de quem dera vida à obra, ganha sentido em si mesma porque necessita viver e não faz sentido existir sem estabelecer correlação, aliteração com quem lhe permitiu existir.  

O que faltava a Condorcet era viver. Viver não é apenas pagar conta, ser famoso, ganhar na loteria, pintar a casa, pensar naquela pós-graduação, comprar um carro novo, pegar aquele corpo escultural. Viver é buscar o sentido da vida, sentir, sorver, absorver, transmitir, sorrir, chorar... amar. 

O que ele queria era a metrificação dos versos, aquele jeito de escrever que a crítica gosta, aquele neologismo que vai cair no gosto dos leitores, aquela forma que uma tendência literária quer. Seus versos tinham forma, mas não conteúdo, faltava corpo, alma, pulsão, algo de teúdo, que conserve a essência que está presente em toda obra feita por e pelo amor.

Em tudo o que existe, existe pela essência de amar. É o amar que se transverte de inspiração, ganha nova conotação, se pinta de palhaço, sopra aquele insight no ouvido do compositor, dá aquela inspiração ao ator quando esquece a fala na boca de cena do teatro, desloca o olhar do fotógrafo para uma paisagem, se traveste em enredo, numa epopeia de escola de samba na passarela, vira apoteótico e simples ao mesmo tempo, derruba um livro “sem querer” abrindo numa página com aqueles versos que tanto buscava, relembra uma cena de amor importante vivida, chora diante de uma cena romântica de filme, esquece aquela última briga terrível com o parceiro, parceira, amigo, toca na intangibilidade da saudade. A saudade não é a lembrança do que se viveu de bom, é a certificação de que aquilo que se viveu de bom não pode ser esquecido, precisa ser vivido continuamente. A saudade é antítese da não-memória do amor.   

Foi então que Condorcet abriu um novo documento do word, começou a desenhar poemas-epitáfios inspirados na energia potencial de tudo o que todos os artistas, amantes já viveram, pois uma vez criada a energia cinética do sentir ela paira do ar para nunca mais desaparecer, existe por existir, precisou da inspiração, da caneta, pena, ensaios exaustivos dos artistas para ganhar forma e continuar contagiando a todos que buscam a sensação do que é existência. 

A energia cinética estava nos papéis embolados que empilhavam a sala de Condorcet. Quando perceberam que ele não mais se preocupara somente com a forma, e mais com o conteúdo, saltou dos papéis embolados para ganhar novos sentidos na tela do computador. Já não havia mais distância entre o que Condorcet pensava, seus dedos que deslizavam sobre o teclado e o formato de palavras na tela branca. Sentimento, sentido, forma e conteúdo finalmente eram uma coisa só. Foi então que entendeu o que havia lido em Fred Góes: "a alma só se expressa na literatura, não no divã. A alma está no personagem, não nos sujeitos... Os deslimites da alma, os deslimites dos sujeitos se expressam no circo, pois o circo é a desmesura do corpo".

Então... não se ouviu a poesia... ela não nasceu.



domingo, 1 de abril de 2012

CRIAR É RESISTIR, RESISTIR É CRIAR


Por Claudio Zanonni


Com estas palavras Stéphane Hessel, político francês que participou da resistência ao nazismo de 1940 a 1945 e da redação da “Declaração Universal dos Direitos Humanos” em 1948; embaixador francês na ONU; aos 95 anos de idade redigiu o que podemos chamar de manifesto à “insurreição pacífica” através do livro: Indignai-vos[1] que, em poucos meses, tornou-se um Best-sellers da literatura política mundial.

Inspirado em Sartre, do qual foi discípulo na juventude, e em Walter Benjamin, o autor traça um perfil do mundo contemporâneo conclamando a juventude a deixar a indiferença de lado e engajar-se[2] na luta contra as injustiças que a sociedade atual e a economia mundial provocam a cada dia. Isto é, dar respostas a um mundo que não nos agrada do jeito que está, um mundo onde as diferenças entre ricos e pobres se agravam sempre mais e onde a competição se sobrepõe à justiça, à paz e à democracia.

Indignação não significa emoção nem inércia, mas militância, força, engajamento, isto é, participarmos da história. Parafraseando Hegel, o autor contrapõe a história do progresso, da competição, do ter sempre mais à história da liberdade e da democracia: A história é feita de choques sucessivos, levam-se em conta os desafios. Segundo ele, a história das sociedades progride e, no fim, depois de atingir sua liberdade completa, o ser humano tem no Estado democrático sua forma ideal (Hegel, apud Hessel, 2011a, p. 14).

A pior das atitudes é a indiferença ou, como costumamos dizer: “não posso fazer nada”, ou “Deus quis assim”, etc. Mas se olharmos ao nosso lado encontraremos sempre algo injusto, algo pelo qual podemos nos engajar.

Assim o autor faz uma breve análise da situação palestina que viu de perto na Faixa de Gaza que considera uma prisão a céu aberto. Por isso, diz ele, a exasperação pode levar à violência como uma lamentável conclusão de situações inaceitáveis para quem as sofre. No entanto, a exasperação é uma negação da esperança.

Se olharmos a humanidade poderemos ver como o caminho da não violência foi trilhado por inúmeras pessoas que deram seu exemplo: Mandela, Martin Luther King e eu diria Sepé Tiaraju, Marçal Tupã-i e muitos desconhecidos que mostraram este caminho. A não violência é o único meio para que a violência possa cessar. A ameaça da barbárie fascista não desapareceu totalmente. O autor apela, nas palavras dos veteranos da Resistência por uma França Livre, para: Uma verdadeira insurreição pacífica contra os meios de comunicação de massa, que, como horizonte para os nossos jovens, só sabem propor o consumo de massa, o desprezo aos mais fracos e à cultura, a amnésia generalizada e a competição desenfreada de todos contra todos (Hessel, 2011a, p. 26).

A obra de Stéphane Hessel inspirou indignações pelo mundo inteiro no ano de 2011. Dos jovens espanhóis indignados contra a corrupção, aos gregos que manifestam contra as imposições econômicas de cortes de gastos públicos, e assim por diante na Islândia, em Portugal, em Israel, na Índia, na Itália e, não podemos deixar de fora as revoltas da primavera árabe, tão importantes para a democracia e os protestos em Wall Street.

Os indignados do Movimento 15 de maio (M15), que se reuniram na Praça Puerta del Sol em Madrid, se revoltaram contra a corrupção da política e dos políticos, contra a economia predatória e injusta, contra o desemprego dos jovens e contra a manipulação do governo da crise econômica.

Nos protestos de Wall Street milhares de norte-americanos ocuparam a praça em frente ao centro financeiro global para protestar contra a corrupção, contra um sistema financeiro único e impositivo e pela justiça social. Esses protestos mostram como uma parte da sociedade não aceita mais uma lógica capitalista perversa, uma ditadura econômica que submete, especialmente os países mais pobres, a seus interesses.

A primavera árabe mostrou como a organização via redes sociais está sendo importante para uma luta globalizada contra a corrupção, pela democracia, pelos direitos humanos, para diminuir a distância que sempre mais separa ricos e pobres, para derrubar políticos corruptos, etc.

Os jovens são o ponto principal que movimenta todas estas revoltas. Estão cansados de esperar por um futuro que não apresenta nenhuma luz no fim do túnel. Estão cansados de ser instrumentalizados por uma economia de massa. Estão cansados da corrupção que se espalha na política. Por isto então indignados e procurando, como exorta Hessel, os motivos reais dessa indignação. Em 1968 o movimento operário e, especialmente, estudantil provocaram uma reviravolta no mundo ocidental. Estamos perto dessa mudança histórica no começo do século XXI ou devemos esperar ainda mais para que as gerações jovens encontrem seu caminho? No entanto, não podemos ficar indiferentes, mas engajar-nos para uma sociedade mais justa e que, em nome dessa justiça, procure diminuir sempre mais as diferenças sociais e repartir mais entre todos.

Claudio Zannoni
Editor chefe do Caderno de Pesquisas da UFMA




[1] HESSEL, Stéphane. Indignai-vos. Trad. Marly Peres. São Paulo: Leya Brasil, 2011a
[2] HESSEL, Stéphane. Empenhai-vos: conversas com Gilles Vanderpooten. Lisboa: Ed. Planeta, 2011b.


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